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Como é ser mãe de uma estrela do rap nacional? Um papo com Kamilah Pimentel, mãe da MC Soffia

Mãe, empresária e fã número 1 da rapper de 20 anos, fala sobre carreira da filha e histórico familiar no Movimento Negro
Como é ser mãe de uma estrela do rap nacional? Um papo com Kamilah Pimentel, mãe da MC Soffia

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MC Soffia é uma das mulheres que são a cara do rap nacional contemporâneo. Em um meio predominantemente masculino e em diversas ocasiões, machista, a artista surgiu criança, cativando um público infantil e conseguiu transicionar para a vida artística adulta sem agredir seus antigos fãs e conseguindo mostrar maturidade musical surpreendente em trabalhos como o EP “Rapper” e a sequência “It Girl PT.1″ e “It Girl PT.2”.

Por trás desse crescimento que vem sem deslumbre, está a mãe de Soffia, Kamilah Pimentel, 37,  responsável pelo gerenciamento da carreira da filha. A relação das duas é visivelmente harmoniosa, como é possível constatar desde a época em que as duas interagiam nos vídeos do Papo de Mesinha, onde conversam sobre racismo, machismo e família. “É muito gratificante ver tudo o que está acontecendo, ver tudo o que estamos colhendo enquanto equipe dela e família. Me deixa muito feliz, é que pelo menos no hip hop não existe um artista que seja cuidado pela sua família, ainda mais uma família de mulheres mulheres pretas, então {…} sim, é possível, e que isso sirva de exemplo também para outros artistas independentes também”, inicia Kamilah durante a entrevista.

MC Soffia começou nova e recebeu apoio de Karol Conká,  referência no rap para ela e outras que vieram depois. A força de mulheres pretas, conscientes racialmente, foi crucial para que mesmo com a pouca idade (atualmente ela tem 20), a cantora marcasse sua identidade na cena do hip hop brasileiro. “A gente, ali, em volta, deu uma base, conseguiu proteger bastante, até hoje a gente tem essa postura. Muitas coisas chegam na gente e a gente passa para ela, não chega diretamente, e isso fez com que ela se tornasse uma artista empoderada até porque a gente também ficou trabalhando essa questão nela. Isso não fez ela se tornar uma mulher frágil e sim uma mulher que sabe que tem pessoas com quem sempre pode contar, mas também, se necessário, saber se posicionar. Então isso foi o que ficou de muito positivo”, conta.

Como é ser mãe de uma estrela do rap nacional? Um papo com Kamilah Pimentel, mãe da MC Soffia
Kamilah e Soffia em 2019 | Reprodução Instagram




Eu não tenho medo de começar do zero, mas não é o meu conselho, gente, por favor. Eu acho que é necessário avaliar e é necessário separar, porque, por exemplo, “Soffia, você quer cantar? Você vai ter que ensaiar”, né? Eu tive esse olhar, eu consegui de alguma forma separar o profissional do pessoal, e eu falei, “meu, você é criança, quer cantar criança, mas vai ter que ser uma criança que canta direito, os temas, vai ter que dar uma pesquisada…”, eu não dei moleza assim, tipo, “Ai, qualquer coisinha que falou tá lindo”. Não, não tá lindo. A gente tem que chegar e se apresentar pra outras pessoas, então precisou ensaiar, precisou… “volta de novo, ainda não tá bom”. Não fui como o pai do Michael Jackson, nem nada, mas assim, eu precisei criar uma artista que eu ouvisse e falasse, “olha, ok! Eu vou aí”, né, “vou aí porque eu sei que vai vir bons frutos”. E que ela entendesse isso também – Kamilah Pimentel

Kamilah deixou o trabalho para cuidar exclusivamente da carreira da filha. Ela fala isso com orgulho e mesmo quem entra na parceria de fora, entende que tudo funciona, no bom sentido, como uma empresa familiar.  Quem entra de fora precisa compartilhar a vontade de ver, acompanhar e investir na ascensão de Soffia.

“Então, um diferencial que a gente começou a observar olhando para outros artistas é que a gente não trata a Soffia apenas como um produto. É um produto? Sim, mas a gente tem também a questão do sentimento, de procurar saídas, de entendê-la, de entender os momentos dela”

Kamilah veio de uma família preta retinta e teve a mãe e os avós como referência. O avô dela foi músico, então MC Soffia é herdeira de uma ancestralidade musical. Sempre que aparecia alguma revista, de alguma criança preta, ele mostrava à Kamilah, apontava caminhos possíveis para a representatividade, semeando o que viria a se tornar o letramento racial da família hoje. No caso da minha avó, ela já teve uma outra construção, já trouxe outras coisas na bagagem dela, mas ela sempre trazia a questão da autoestima, ‘como você é linda’. Meu apelido era Bela – de bela mesmo! ‘ai, como você é bela’ – então, eu sempre tive isso dentro de casa e me fortaleceu. Pontos diferentes, mas que juntando tudo, conseguiram me formar a mulher que eu sou hoje.”

Três gerações: Lúcia Makena, MC Soffia e Kamilah Pimentel | Instagram

Em alguns vídeos virais, é possível ver MC Soffia questionando coisas como relacionamento afrocentrado, racismo e machismo no rap. Essa lucidez foi moldada em uma família que foi se forjando na militância do Movimento Negro. Após a geração dos seus bisavós acenarem, os avós (a avó materna, Lúcia Makena, é parte importante da equipe) e a mãe abraçaram o letramento como forma de enfrentamento e educação. A maternidade de Kamilah transmitiu à filha essa educação nem sempre comum à milhões de meninas pretas no Brasil. “Quando a Soffia veio, a gente já estava bem pra frente. Outra história. [risos] Então ela já veio totalmente inserida e isso foi algo muito positivo para a construção dela”, relata.

Confira mais do papo com Kamilah Pimentel

Como foi gerir a transição da carreira da MC Soffia do público infantil para o adulto? Imagino que seja delicado fazer isso sem parecer que, “pô, tá traindo o público infantil”, ou “está deixando de ser o que era”…

É, uma coisa que acontece até hoje é que eu vou sempre estudar. Eu procuro me aprofundar, por tomar cuidado com as pessoas, né? Quando foi acontecendo essa transição, foi muito difícil pro público, muito… pra gente não, mas pro público foi muito difícil, então foi algo que a gente teve que fazer com muito cuidado. Eu tive que pesquisar, por exemplo, questão de cores, porque, não sei se você já percebeu, mas quando ela vem com uma estética, existe uma cor, existe uma pesquisa atrás disso pra como isso vai impactar nas pessoas. Então a gente foi fazendo essa transição de idade e foi trazendo umas questões de cores… o azul, pra que a transformação fosse com suavidade, aí depois foi trabalhando isso; o vermelho, pra já causar aquele impacto, aquele choque e tal. E o público dela, algumas pessoas captaram isso muito bem, foram de acordo com as nossas pesquisas, e outras pessoas ainda ficam, “ahh quanto tempo eu dormi?” e não sei o quê… ainda tem esse apego. Mas a gente vai entendendo todas essas situações. E aí começamos a trazer o público já na idade e até para um pouco mais, que ela tem um público até uns 25 anos, tal, né, todo mundo acompanhou a trajetória. Mas é algo que a gente estuda muito, que a gente tem muita preocupação, a gente tem preocupação com o nosso público.

Apesar do crescimento da música urbana, vemos que a parte do machismo está ali, intrínseco. O quanto você acha que ainda falta para que se mude um pouco esse cenário, para que as minas tenham tanto espaço quanto os homens?

Eu não consigo te dar uma dimensão, porque realmente é uma luta extra, né? já existe a luta de ser preta, e agora existe – e agora, não, sempre existiu – a luta de ser mulher dentro de um movimento masculino. O hip hop é um movimento muito masculino. Quando os homens são questionados, eles falam, “ah, os outros estilos também são masculinos”. Sim, porém depende, né? Existem mulheres que estão no mesmo patamar que homens em outros estilos {…}

Quem é maior que a Beyoncé? No Brasil, quem é maior que Ludmilla, Anitta, Iza? Tenso, entendeu? Então, às vezes eles falam algumas coisas pra se proteger. Mas, uma coisa que eu observei, é que a nova geração de mulheres, ela está vindo e está tendo uma ascensão relativa. Mas eu acho que ainda existe muito, principalmente a necessidade de uma união e de conversas também, porque, por exemplo, os cachês. Os cachês das mulheres no rap ainda são muito baixos. A mulher, no Brasil, sendo do rap, ela ainda não é muito bem vista, né? Ela ainda não é uma coisa que… por exemplo, a gente foi agora pros Estados Unidos, até na alfândega ela é rapper. “Oh, rapper?!”, eles têm… eles se impressionam. E no Brasil não é assim!

 A MC Soffia teve aquele advento em que ela vai cantar, a chuva cai e meio que tinha duas, três pessoas ali e ela continua o show! E eu percebi que aquilo meio que trouxe uma leva de pessoas. E eu fui lá no perfil dela e as pessoas, “Oi, eu vim pelo vídeo!”, tal, “parabéns!” e tal. É… Imagino que ali seja uma faca de dois gumes: o coração de mãe-empresária apertado porque ninguém quer ver um show esvaziado, mas também como empresária, uma oportunidade de falar com um novo público. Como é dividir, tipo, essas duas coisas, o racional da empresária e a mãe ali com o coração apertado?

Então, eu sempre pensei, se tem uma pessoa, então uma pessoa vai ver o show. E se tem dez pessoas, dez pessoas vão ver o show. E eu sempre passei muito isso pra ela, foi uma coisa que foi construída junto com o crescimento e o amadurecimento dela. Então, ela sabia que se tivesse três pessoas, ia ser um show para aquelas três pessoas, porque ficar ali na chuva também não estava sendo fácil. Então, poxa, essas pessoas merecem respeito, merecem um show de qualidade! E, assim, a Soffia fez um ótimo show pra elas. Esse mundo artístico é de altos e baixos, a gente precisa aprender a dançar conforme a dança e continuar fazendo o que ama. Se ela ama aquilo, ela vai fazer aquilo pra que… ela já foi em shows que estava vazio, de outros artistas, e ele {…} não apareceu. O artista não apareceu! Não houve uma satisfação, não houve nada. E a gente, como eu te falei no início, a gente tem essa preocupação com as pessoas. E o que a gente pôde fazer por aquelas pessoas que estavam lá? Levamos ela pro Lolla, no Lolla já estava mais cheio, então é diferente. Então, assim, é isso… um dia da caça, outro do caçador.

Sua empresa gere outros artistas além da Soffia?

Não, porque, assim, como eu também tenho muita preocupação e é assim, eu só poderia trabalhar com alguém de fato, se eu conseguisse dedicar toda a minha energia pra essa pessoa. Eu não posso trazer essa pessoa que vem com sonhos, com tudo, e eu não conseguir, entendeu? Então, o que eu faço no momento é sempre aconselhar as pessoas, fazer consultoria gratuita, né, [risos] porque muitas das vezes não têm como, e é essa parcela que eu faço pra ajudar. No momento eu ainda não posso, quando eu estiver com uma equipe maior… porque eu vou ter que estudar aquele artista, sabe? E eu não vou conseguir fazer isso agora.

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Última atualização em: 14 de junho de 2024 às 11:24

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