Em sequência da celebração do cinquentenário do rapper paulistano, o álbum “Sabotage 50” reúne nomes como Luedji Luna, N.I.N.A do Porte, Filipe Ret, XIS, Vandal, Sant, Djonga
Em 3 de abril de 1973, nascia Sabotage, batizado Mauro Mateus dos Santos, um dos maiores rappers da história do Brasil. O Maestro do Canão (apelido surgido da favela da Zona Sul em que foi criado) enfrentaria obstáculos antes de ser reconhecido como uma lenda do hip hop brasileiro, mas sua memória prevalece e mostra que venceu com a chegada do álbum “Sabotage 50“, que reúne alguns dos nomes mais emblemáticos do hip hop brasileiro atual.
Várias incursões pela famigerada e hoje extinta FEBEM, envolvimento com tráfico e assaltos poderiam ter radicalizado Mauro Mateus ainda mais no corre da criminalidade, mas música e poesia resistiam dentro do menino cria da miséria e da desesperança de uma São Paulo árida e pouco convidativa para qualquer jovem negro sonhador. O apelido que se transformaria em nome artístico foi dado por seu irmão Deda, por conta do jeito safo de entrar e sair de confusões. Dizia-se que Mauro “fazia muita sabotagem”. O apelido foi a herança mais rica que o irmão pôde deixar. Deda foi assassinado com 13 tiros logo após ter saído da prisão.
Mãe, me dê a bênção
Eu sei que o medo não é mesmo o lugar perfeito pra guardar as horas
Sul, Sampa, Brasil, aqui sem a senhora
Pra mim, tô vivendo no escuro, não faz muito tempo que o Deda foi embora, e é foda – País da Fome
Sua trajetória artística começou no fim da década de 1980 quando passou a se destacar na cena do hip-hop. Na lendária casa Zimbabwe, que costumava abrigar os famosos baile black da capital paulista, Sabotage se apresentava em concursos de rap, gênero criado nos Estados Unidos e que vinha ganhando simpatia dos jovens periféricos do Brasil.
O rap era a paixão principal, mas Sabotage sempre bebeu de diversas influências da música brasileira e estadunidense. Samba, rock nacional, pagode, soul music e R&B o inspiraram para compor, inclusive, Chico Buarque era uma referência para o artista. O compositor era dono de uma das músicas favoritas de Sabotage. Segundo o rapper, “O Meu Guri”, lembrava sua própria história de vida.
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar – Versos de “O Meu Guri”
As canções de Sabota impressionavam até os veteranos e sua presença nos shows de rap o fizeram virar amigo de Rappin’ Hood, outra lenda do rap e, em seguida o Maestro foi apresentado a Mano Brown, dos Racionais MC’s e Sandrão e Negra Li, integrantes do grupo RZO. Suas participações em clipes do grupo de Sandrão se tornaram icônicas e estão em entre os grandes momentos da história do rap no Brasil.
No ano 2000, Sabotage lançava seu primeiro e único álbum de estúdio divulgado com o artista ainda em vida. “Rap é Compromisso!”, saído pelo selo Cosa Nostra, produtora dos Racionais MCs, contém onze faixas e já nasceu clássico. É impossível fazer uma lista de álbuns mais notáveis da história do rap nacional sem citar o trampo de Sabotage nesse disco. O sucesso superou as bolhas, ganhou clipe na MTV e vendeu cerca de 1,7 milhões de cópias. Sendo considerado um dos mais importantes álbuns da história do rap brasileiro.
O ator e O invasor no Carandiru
A ascensão artística do músico extrapolava os shows e estúdios. Sabotage teve sua estreia no cinema no filme “O Invasor“, dirigido por Beto Brant. O diretor assistiu um vídeo em que Sabotage cantava como integrante do RZO e quis fazer uma entrevista na hora. No dia marcado, o rimador foi apresentado a Paulo Miklos, cantor do Titãs que protagonizava o longa. Miklos ganhou aulas sobre gírias e vida na periferia, com os personagens encenando uma das melhore partes do filme.
Graças a participação em “O Invasor”, Sabota conheceu Héctor Babenco, diretor de “Carandiru”. Babenco descobriu que o músico era parente de um preso, o Velho Monarca, o que para o cinesta pareceu um tempero a mais. Em “Carandiru”. Sabotage interpretou Fuinha, além de dar sua contribuição para a trilha sonora e outros aspectos da produção como trejeitos comuns na periferia, figurino, entre outras coisas.
A morte não é o fim do compromisso
No fim da madrugada de 24 de janeiro de 2003, Sabotage levou sua esposa, Maria Dalva, ao ponto de ônibus. Quando voltava, na altura do número 1877 da avenida Professor Abrão de Morais, Zona Sul de São Paulo, quando estava ao lado de seu carro, ele foi baleado quatro vezes. Embora tenha sido socorrido ainda com vida e levado para o Hospital São Paulo, onde a equipe médica tentou reanimá-lo por 30 minutos, Sabotage morreu devido aos ferimenrtos em sua coluna vertebral, mandíbula e cabeça.
Tentaram colar como fato que a motivação do assassinato do artista envolvia pendências com o crime. Familiares e até a polícia desmentiram os boatos. O artista havia encontrado outro caminho na arte e abandonado “a função” 10 anos antes de sua morte.
“Moro na favela desde os 2 anos e, dos 8 aos 19, andei no crime que nem louco. Saí por causa de Deus, porque polícia não intimidava, tapa na orelha só deixa a criança mais nervosa” Sabotage em entrevista para a MTV em 2002
O enterro, no dia 25 de janeiro de 2003, não teve presença da imprensa por decisão de Maria Dalva.
Na comunidade do Boqueirão, no bairro Jardim da Saúde, em São Paulo, Sabotage viveu o final de sua vida ao lado dos filhos Wanderson do Santos (o Sabotinha) e Tamires do Santos. Durante os anos posteriores à sua morte, o culto em torno da obra do rapper aumentou, obras póstumas foram lançadas mostrando que o futuro era mais do que promissor para o músico e ator. O disco de compilações “Uma Luz Que Nunca Irá se Apagar” tem participações de RZO, BNegão, Sepultura, Z’África Brasil e Instituto, nomes que já eram grandes na época e se firmaram como guias dentro de suas cenas musicais.
Hoje foi lançado “Sabotage 50”, álbum com regravações que traz em suas tracks artistas como Kamau, Luedji Luna, N.I.N.A do Porte, Filipe Ret, XIS, Vandal, Sant, Djonga, entre outros. Cada músico acrescentou versos às canções icônicas do Maestro do Canão. O projeto foi organizado por Tamires dos Santos e Wanderson Sabotinha.
A concisão do álbum é impressionante e mantém intacto o legado de qualidade das rimas do rapper paulistano. A reverência dos participantes do projeto emociona e a curadoria de quem estaria presente acerta em priorizar em maior parte quem nunca havia cantado com Sabotage. O disco traz 9 faixas, 7 delas inéditas, e 1 audiovisual da faixa “Cantando Pro Santo”, que traz participação do saudoso Chorão.
Em 13 de julho de 2010, Sirlei Menezes da Silva foi condenado a 14 anos de prisão pelo assassinato de Sabotage.