Ana Flor passou 20 anos se apresentandoem diversos palcos, maturando sua música e poesia e finalmente jogou no mundo seu primeiro álbum solo. A paulistana, que também dividiu sua criação entre Maranhão e Goiás, lançou“Pranto Terra”, trabalho em que resume as influências sonoras que a formaram como artista ao longo da carreira. As nove faixas que integram o projeto acariciam o ouvinte com gêneros como brega, rock, pagode baiano, bolero, bumba meu boi e o pop.
A produção de Guilherme Kafé e Ivan Gomes, e participações especiais de Kiko Dinucci e Toninho Carrasqueira, o disco ganhou um show de lançamento nesta quinta (20), no Sesc Vila Mariana, com participação do cantor Rodrigo Mancusi.
filha da pesquisadora Daraína Pregnolatto e do mestre quilombola maranhense Tião Carvalho, Ana Flor faz de “Pranto Terra” um manifesto sonoro que liga tradição musical brasileira à contemporaneidade. “A ideia era criar algo que refletisse minha história e as vozes do lugar de onde vim. ‘Pranto Terra’ é uma homenagem às raízes, mas também um convite à reinvenção. O álbum resume também minha resiliência, minha luta, um tanto de coisas que eu atravessei para estar forte”, afirma.
“Gaia” abre o disco reverenciando a Terra ao mesmo tempo que exalta mulheres trans e outras múltiplas identidades. “Sou rio, sou ar, sou gozo fluído, sou Gaia”, aponta a letra.
“Os apontamentos pertinentes não se perdem enquanto a reprodução do álbum chama para a dança, tanto na minha vestimenta, quanto nas minhas falas, quanto nas músicas que eu vou apresentar nesse primeiro momento. Eu quis trazer essa malemolência e também os assuntos sérios, mas com leveza, com metáfora, poesia, com gracejo. Não vejo problema em não relacionar as duas coisas”
Na irreverente “Pipoca Doce”, a cantora brinca com a antropofagia cultural e sentimental para falar de desejo. “Se você fosse chocolate, eu não te comeria/ se você fosse pipoca doce, eu não te comeria/ Mas você é um ser humano/ e ser humano eu como, sim/ Ser canibal é a única maneira de ter seu coração pra mim”, poetisa a segunda faixa do álbum.
Ana Flor, como uma cronista, costura suas faixas como uma tentativa de diálogo com o ouvinte, explorando as situações cotidianas enquanto dança com palavras e harmonias. Claro, esse diálogo jamais soa excludente, seja pela efervescência dos ritmos, seja pela presença disruptiva da própria intérprete.
As experiências universais se seguem na bonita “Meu Xuxu”, versando sobre resignação e cura após um desencontro amoroso e em “Carroça”, pregação de força sob base de rock indie com toques percussivos que aludem ao movimento Mangue Beat.
Animada para apresentar as músicas ao vivo no dia 20, Ana reverencia o palco que irá recebê-la. “Ansiosa para levar minha equipe incrível de músicas para o Sesc Vila Mariana. Os melhores shows que eu já vi na minha vida foram no Sesc. É um local muito emblemático, onde há muito movimento importante da cultura do país, da cena musical independente. Essa cena que eu estou inserida, mas quero me inserir mais ainda”, explica.
Com o lançamento de “Pranto Terra”, a cena musical se enriquece e terá muito o que pensar sobre o abraço a mais uma riqueza sonora dentro do cancioneiro nacional. “A ideia era criar algo que refletisse a minha história e as vozes do lugar de onde vim. Esse álbum é uma homenagem às raízes, mas também um convite à reinvenção”, conclui Ana Flor.
Foto: José de Holanda
Sobre Ana Flor de Carvalho
Filha do mestre Tião Carvalho, desde criança conviveu com a música dentro de casa e na presença de grandes nomes da música brasileira como Toninho Ferragutti, Swami Jr., Toninho Carrasqueira e outros. Faz parte de sua formação o convívio com as artes em suas diversas expressões e matrizes da cultura popular brasileira. Como artista e brincante popular, conviveu intimamente com as culturas populares do Maranhão e Pernambuco, entre outros, e integra grupos como o Grupo Cupuaçu – Centro de Estudos de Danças Populares Brasileiras (SP) e Flor de Pequi – brincadeiras e ritos populares (GO).
Cantora por 7 anos da banda ZafeNate e em projetos paralelos na educação de jovens da periferia e de agroecologia, cantou e canta com Tião Carvalho, Ana Maria Carvalho, Lia de Itamaracá, Zeca Baleiro, Mano Chao e outros nomes consagrados da música brasileira e internacional. Ana Flor é integrante e fundadora – ao lado de outras mulheres – da banda Forró do Assaré, criada em 2013 com o intuito de fortalecer a presença das mulheres no cenário musical brasileiro e pesquisar e difundir músicas e compositores com menor visibilidade no universo do forró.
A água que vem da saliva, do verbo, gasto nos versos das canções que se alternam num movimento pendular, hora viscerais – explosivas e cheias de verdades pessoais -, hora debochadas – balançadas, auto irônicas, mas não menos verdadeiras. Entoadas por sua voz árida e potente, trazem a sensação que fazem qualquer sertão virar mar (ou um belo e estranho jardim). Flor desbravou e continua a desbravar em outros territórios e agora brilha em seu projeto solo e autoral.
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Última atualização em: 21 de fevereiro de 2025 às 10:00
Jornalista especializado na área de cultura. Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Guarulhos (UNG), já escreveu sobre música, cinema, literatura e política para Mídia Ninja, Trace Brasil, Site Mundo Negro e Leia Já.
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