O rock e o rap são, desde as origens e até hoje, estilos fortemente ligados à contestação social, à revolta e ao alerta sobre os problemas de uma geração. Se você juntar os dois em um único estilo de música, isso é pólvora pura. E é a partir dessa fusão explosiva que o músico Peter Só veicula sua mensagem direta e contundente no mais recente álbum, Sonhos de Plástico, lançado em agosto. O álbum critica, sem massagem, algumas das principais questões do nosso tempo, mas despeja boa parte da munição contra uma das principais questões, que são as redes sociais e todas as doenças comportamentais, políticas, econômicas e, claro, sociais, acarretadas por elas.
Em um momento histórico em que Mark Zuckerberg, presidente da Meta e principal figura por trás de algumas das principais plataformas dominantes, acaba de fazer anúncios assustadores sobre o futuro dessas redes – como o boicote à checagem independente de fatos e a união ao presidente Trump para passar por cima da autonomia de outros países – o álbum de Peter chega como um manifesto mais do que necessário para uma nova luta que precisa ser encarada desde já – e já não era sem tempo.
Prestes a iniciar uma turnê nacional para divulgar o disco, Peter conversou com o Pretessências sobre a forma e o conteúdo das mensagens que pretende passar, e a urgência de colocar essas ideias em movimento.
O seu som tem uma pegada que mistura rap e rock, no melhor estilo de bandas Rage Against The Machine, Beastie Boys, Run DMC e outros. Mas eu, particularmente, me lembro mais de tesouros nacionais como 10zero4 e Câmbio Negro, ambas de Brasília, além, claro, do Planet Hemp. Quais foram as suas principais referências como artista, e para esse disco, em especial?
Conheço 10zero4 e Câmbio Negro, e já fui em alguns shows do Planet Hemp. Mas, sem dúvida nenhuma, minha maior referência é o RATM, tanto no som quanto na mensagem. Também acho a forma como Os Mutantes e o Raul Seixas abrasileiraram o Rock genial. Gosto da mistura, de não estar preso a um único estilo ou gênero musical.
E você se considera mais um artista de rap ou de rock? Qual é a sua principal escola musical?
A minha principal escola é o rock, mas, em termos de mensagem, acho que nada se compara ao rap, e, principalmente, ao Rap brasileiro. Me lembro de, aos 15 de idade, escrever em um caderno velho todas as letra de Sobrevivendo no inverno, dos Racionais Mc’s, que também são muito importantes pra minha formação musical.
Como a fusão entre esses estilos entrou na sua vida artística?
Eu nasci e cresci em uma casa muito musical, ouvindo muita MPB, samba e rock clássico desde a infância. Então, acho que foi meio natural. Mas talvez Os Mutantes, o próprio Raul Seixas e o Chico Science tenham me mostrado que era possível misturar tudo isso.
O título “Sonhos de plástico” me remete aos sonhos artificiais, geralmente de consumo, promovidos através da tela do celular, e o mundo de brinquedo fabricado pelas redes sociais, como fica bem evidenciado nas letras. Você pode falar um pouco mais sobre o significado do título do disco?
O significado é exatamente esse. Eu sempre bato nessa tecla. O que é realmente nossa vontade? Porque a nossa vontade pode ser fabricada, e está claramente sendo fabricada, seja através de coisas mais objetivas, como a enxurrada de anúncios ou influencers postando seus estilos de vida, que recebemos todos os dias, ou por coisa mais sutis, mas nem tanto, como a propaganda que Hollywood faz a cada filme.
Apesar das suas críticas serem muito assertivas e contundentes, a gente vive em uma sociedade em que, com crítica ou não, somos reféns dessas interações, principalmente para quem é artista independente e precisa dessas ferramentas para se comunicar com o público. Como você lida com essa dualidade?
É muito difícil lidar com isso. Me considero bem viciado no celular. É uma descarga de dopamina que vem junto com cada demanda de trabalho. Acho muito injusto dizer que todos são livres para usar uma plataforma que é tão viciante assim. Acho que é um debate que precisa ser feito de forma honesta, por toda sociedade.
Você vê algum caminho alternativo para esse paradigma? Você tem feito alguma coisa ou pretende fazer alguma coisa na sua carreira para tentar romper com esses padrões e construir novas maneiras de interagir? Ou se unir a outros artistas para isso?
Eu penso nisso o tempo todo. Ter lançado o manifesto foi um primeiro passo para trazer mais pessoas para a discussão. O mínimo que podemos fazer é lutar por algum tipo de regulação, mas confesso que, no campo da ação, pelo menos para mim, é tudo muito embrionário. Eu não tenho as respostas e acredito que não vou conseguir chegar nessa resposta sozinho.
Além das redes sociais, agora nós temos um novo problema, que é a IA, que vai tornar tudo ainda mais complexo. Muitos artistas vêm se mobilizado contra o uso indiscriminado desse tipo de recurso e o abuso da propriedade intelectual. O que você pensa sobre isso?
Eu acho que essas inteligências artificiais não são bem inteligências. Na verdade, elas são uma máquina de plágios não detectáveis. O problema é que nós não conseguimos regular nem as redes sociais ainda, quem dirá as IAs. Eu sinceramente temo pelo futuro. Essas empresas estão literalmente nos consumindo, e com o aval do estado, mais especificamente o Congresso, que recebe por meio de doações para campanhas ou outras transações escusas.
Quem são os caras que te acompanham, e como formou a banda?
A banda é formada pelo Bruno Werner na bateria, Fernando Santos no baixo e Rafael Bissacot na guitarra. O Bruno e o Rafael produziram o disco. Já o Fernando tocou comigo em diversos projetos desde 2007, mais ou menos. Eu fiquei muito feliz quando os produtores toparam fazer parte da banda e chamei o Fernando para complementar, porque temos uma amizade e uma sintonia muito grandes.
Pode comentar um pouco, também, sobre as participações especiais que você escolheu para esse disco?
Conheci o trabalho da Leyllah Diva Black através do Rafael e do Bruno, e achei fantástico. Pensamos que seria muito bom trazer mais diversidade para o trabalho. Queria ter alguém com bastante lugar de fala na [faixa] 2 pesos, várias medidas. Quando descobri que tinha um amigo em comum com o Nego Max, peguei o contato, fiz o convite e fiquei muito feliz que ele aceitou. A princípio, chamei a Regiane Cordeiro pra fazer backing vocal na Margem de erro, mas achei que ficou tão bom, e que levantou tão incrivelmente a música, que decidi dar o crédito e colocá-la como feat. Já o Altivo Felipe é meu amigo e parceiro de longa data. Acredito que, mesmo fazendo um bom tempo que não compomos juntos, ele ainda continua sendo meu principal parceiro de composição.
E quais são os planos agora para a nova turnê?
O plano é tentar tocar em algumas das principais capitais do país e depois ir expandindo. Logo vamos soltar as datas do show em São Paulo e no Rio. Mais pra frente deve vir BH e algumas cidades importantes do interior paulista, antes de sairmos do Sudeste.
Para finalizar, se você pudesse resumir o seu álbum em um tuíte, o que você diria?
Creio que a síntese desse trabalho é mostrar como o capitalismo utiliza as redes sociais para deturpar nossa essência e programar nossas vontades, invadindo e bombardeando nosso imaginário com os sonhos que são de seu interesse.