O músico, compositor e ator paulistano Federado, no frescor do início de carreira, estava percorrendo rádios e fazendo algumas apresentações na cidade para divulgar seu primeiro EP, intitulado Volume 1. Ele e o produtor Thiago (TH) saíram da participação que fizeram em um show no viaduto de Madureira e foram para o hotel, de frente para a Portela – no mesmo bairro, conhecido como o berço do samba. Toda aquela energia e, dizem, a inspiração emanada pelo local, como que sagrado para qualquer adorador do ritmo, fez com que virassem a madrugada compondo.
Desse momento mágico surgiu a canção “De novo, amor?!” primeiro single do segundo EP do artista, ainda sem título e data de lançamento. O que se sabe é que o novo compilado vem consolidar a trajetória e pesquisa estética de um artista que vem se destacando como expoente de uma nova geração do samba, e que representa o início de uma nova era na carreira – por exemplo, a partir de agora, ele deixa de usar o primeiro nome, Vitor, para se tornar apenas Federado.
Curiosamente, essa renovação veio guiada por uma das primeiras canções compostas pelo artista.
A maneira como esta primeira canção lançada, e última na ordem do EP, aparece no trabalho, lembra o método de criação proposto por Edgar Alan Poe na Filosofia da composição: criar de trás para frente, definindo primeiro o final, o efeito, para, em seguida, construir os degraus. “Quando a gente começou a montar o quebra-cabeça, quisemos pensar, primeiro, em uma canção marcante para fechar o disco. Aí entendemos que essa música marcante era justamente a primeira que a gente fez, e ela iria fechar o trabalho porque ele está cheio de novidades muito boas”, afirma o cantor, que costuma usar o plural majestático porque, apesar de se referir a um trabalho solo que leva seu nome, compreende que se trata de um trabalho coletivo, acima de tudo.
Cria do Bixiga, bairro de São Paulo lendário por sua intensa vida artística e, em especial, pelo samba que pulsa em suas vias, Federado aprendeu seu ofício observando de perto mestres como Almir Guineto, Arlindo Cruz e Beth carvalho. Hoje, ele é uma das vozes ativas do bairro, participando ativamente da escola de samba Vai-Vai, realizando a roda Bixiga & Seus Prazeres e puxando dois dos mais antigos blocos da cidade – Esfarrapados e Lava Pés.
“De novo, amor?!” É uma canção sobre autocuidado, mas também um pagode que chega como uma declaração do que está por vir, cristalizando uma pesquisa estética de anos: reverenciar a tradição do samba, com raízes profundamente fincadas e bem nutridas, trazendo, respeitosamente, elementos da modernidade que agreguem ao gênero e o atualizem.
A seguir, Federado bate um papo conosco sobre o novo single e aquele que considera um de seus melhores amigos – o glorioso samba.
O seu novo single, “De novo, amor?!”, fala sobre superar um romance que vacilou contigo. Qual foi a inspiração para escrever essa letra?
“De novo, amor?!” foi composta em 2019 e marca a fase mais pagodeira da minha vida, onde eu estava no Rio de Janeiro e vi muitas referências de perto. Pessoas que cantavam com o coração, e o que tinha no coração naquele momento era essa tristeza, que eu falei: isso vai virar um pagode. E hoje em dia a gente canta “De novo amor?!” pra falar de coração, de autocuidado, de começar uma nova história. Pra seguir em frente, é preciso olhar pra trás e entender onde a gente errou.
Você começou sua carreira como ator, fazendo séries e comerciais, e ensaiou também uma carreira no futebol. Como essas diversas experiências influenciam sua música?
O Federado, desde o nome, dos pés a cabeça, é essa mistura. É um conjunto de várias coisas que eu tentei ser na vida, e tento levar isso para os palcos e para minhas músicas. É como um estilo de vida, e eu costumo dizer que eu canto e conto nos palcos as minhas tramas da vida.
Como foi a experiência de participar como jurado do Canta Comigo? Você aprendeu alguma coisa nova avaliando outros músicos e conhecendo esse universo?
Lógico que, além da responsabilidade imensa de julgar vozes e grandes histórias que estão ali, se conectar com 99 companheiros de júri que eu tenho é uma experiencia incrível. Mas eu sou um cara que gosta de olhar pra situação do participante e se colocar no lugar, porque nós somos iguais – artistas, brasileiros – e tento, da melhor forma, me conectar com eles, entendendo um pouco da história, do nervosismo de estar de cara pr’aquele painelzão com cem jurados. E a nossa vida é isso: ir vencendo cada desafio, dando o melhor de nós e sendo sempre de verdade.
Uma coisa curiosa é que, mesmo fazendo um trabalho solo, você costuma sempre se referir aos projetos no plural. Quais são as fronteiras entre o coletivo e o individual nesse processo?
Quando a gente fala de samba e pagode, logo vem à cabeça uma cena típica brasileira: uma roda de samba servida com churrasco, todo mundo cantando, aquela alegria. Imaginando esse cenário, não tem como eu dizer que tô sozinho nessa. Sempre tive muita gente do meu lado, seja pra comer um churrasco, seja pra cantar um samba com alegria, e ninguém chega a lugar nenhum sozinho. Hoje em dia, eu tenho uma banda que toca comigo há muito tempo. São anos de estrada juntos, e cada pessoa que escuta nossas musicas, que dá um like nas nossas fotos. Isso contribui muito pra que eu fale sempre “da gente”. Eu nunca tô sozinho nessa.
Você vive num bairro tradicional e mítico da cultura paulistana, em especial para o samba, por onde circularam e circulam grandes artistas. Como essa experiência te formou?
O Bixiga não foi só minha escola de vida, o lugar onde me criei musicalmente e passei os melhores anos da minha vida. Foi o lugar onde eu pude acompanhar grandes artistas como Almir Guineto, Reinaldo, Beth Carvalho, e todos esses personagens que despertaram em mim a vontade de cantar samba, viver aquilo que eles viviam e sonhar em um dia chegar onde eles chegaram. E, estando ali na bateria da escola de samba Vai-Vai, vendo isso de perto, tudo isso aflorou ainda mais.
Por falar nisso, você também começou em projetos sociais, como muitos meninos iguais a você. Qual é a importância desse tipo de trabalho para uma criança da periferia?
Foi muito importante pra mim passar anos dentro do projeto social da escola de samba Vai-Vai, na bateria mirim. Eu pude sentir na pele que o projeto social tá além de um acolhimento de jovens, da experiencia e da troca que a musica pode proporcionar. O projeto social me deu asas, e com essas asas, hoje, eu construo meu sonho. Hoje eu sei que o samba está muito além do que gente pode imaginar. Ele cria conexões entre pessoas, pode salvar vidas. pode ser escola. O samba é um dos meus melhores amigos. Porque depois de tanto tempo que eu passei dentro do projeto, aprendendo samba, falando de samba, vendo o samba com meus próprios olhos, hoje eu vejo ele como meu principal aliado, e me dá a bagagem pra eu flertar com outros ritmos, com muita segurança, porque o samba sempre vai estar em mim.
Pois é. E você é um artista que, apesar de preservar as raízes do samba, se permite flertar com outros estilos e tendências. Como você consegue equilibrar o tradicional e o moderno?
Quando a gente fala da tradição do samba, eu fico até tranquilo, porque se teve uma música que eu aprendi a cantar desde pequeno foi uma canção de Geraldo Firme chamada Tradição, que diz: “Quem nunca viu o samba amanhecer/ Vai no Bixiga pra ver”. Os churrascos que a gente fazia em casa eram regados a muito samba, Fundo de Quintal, Martinho da Vila, todos esses baluartes da música popular brasileira aos quais a gente só tem o que agradecer. Porque se hoje a gente canta um pagode e celebra o samba com muita alegria, se ele se tornou uma das maiores expressões populares, é graças a esses grandes artistas que pavimentaram a estrada, e hoje a gente está simplesmente passando de geração pra geração. Ou como diz, também, o samba da Alcione: “Não deixe o samba morrer/ Não deixe o samba acabar/ O morro foi feito de samba/ De samba pra gente sambar”.