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“O forró é igual ao samba. Agoniza, mas não morre”: Um papo com Mariana Aydar sobre o disco gravado em parceria com Mestrinho

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Mesclando canções inéditas e lados B do gênero, novo trabalho tem participações especiais de Gilberto Gil, Juliana Linhares e Isabela Moraes

Mariana Aydar e Mestrinho foram unidos por um dos maiores mestres da música brasileira. Dominguinhos era o personagem principal de um documentário comandado pela cantora, que visava eternizar o nome do mestre em documento audiovisual. Nos encontros com o sanfoneiro lendário, no hospital em que estava internado, Mariana, invariavelmente encontrava Mestrinho tocando para Dominguinhos e daí nasceu a parceria que culminou no lançamento de “Mariana e Mestrinho”, álbum que refrigera o gênero com o talento dos dois jovens artistas.

A presença de Mariana Aydar defendendo composições do forró pé de serra demarca um lugar de importância para as mulheres no gênero. Historicamente invisibilizadas e colocadas em segundo plano, são colocadas como protagonistas tanto na figura da cantora quanto nas temáticas das canções do disco. “O forró é um lugar muito masculino e consequentemente muito machista também. Então, eu acho que ainda é um lugar onde as mulheres têm que se impor de alguma maneira”, conta Mariana que resumiu bem o intuito de parte do trabalho na provocativa faixa “Boy Lixo”: “‘Corre que esse boy é lixo, corre que esse boy é lixo! Agora é moda o sujeito se dizer hétero top, tem até no BBB”, diz um dos versos da música.

Já estabelecida a química entre os dois, foi preciso filtrar entre centenas de canções que fariam sentido dentro do repertório do álbum que idealizavam. Entre a reverência aos clássicos e a criação de canções inéditas que tenham apelo ao público, dez faixas foram escolhidas, resultando no trabalho fino produzido por Tó Brandileone.

“Eu acho que o critério para escolher as músicas veio muito de um sentimento afetivo mesmo e a gente teve uma vontade de trazer um repertório muito vasto. Então, eu trocaria um pouco a palavra ‘clássicos’ por ‘pinceladas de músicas não tão conhecidas dentro desse balaio do forró’. Porque o forró ainda é muito desconhecido por uma parte do grande público. As pessoas só conhecem realmente aqueles grandes clássicos, né? ‘Gostoso demais’, ‘Feira de Mangás’, ‘Isso aqui tá bom demais’, ‘Asa Branca’, mas existe uma gama enorme que, mesmo nós, forrozeiros de dentro do Forró, temos dificuldade de dar conta de tanta coisa que a gente ainda acha, que a gente vê. Então, a gente teve esse cuidado de dar luz a esse repertório, né? Então, a gente pincelou algumas músicas que não são tão conhecidas do grande público e mais conhecidas do público de dentro do forró, mas que, às vezes, nem de dentro do forró. É o caso de ‘Cheguei para ficar’, que é o single”.


Olha, independente do gênero, a música pra mim é amor, então, eu quero que as pessoas acabem a audição melhor do que elas começaram, que elas sintam o amor, que elas sintam a esperança, que elas sintam vontade de fazer algo novo, de se movimentar de alguma outra maneira – Mariana Aydar

O discurso feminino segue forte com a animada “Alavantu Anahiê” (Isabela Moraes/ PC Silva). Nesta faixa, a voz de Mariana Aydar ganha a companhia de Isabela Moraes e de Juliana Linhares. Mariana e Mestrinho receberam dois grandes presentes para o disco. Zeca Baleiro enviou a lírica “Dádiva”, escrita especialmente para este álbum. Já em “Até o Fim”, composição de Mestrinho, quem divide os vocais com a dupla é Gilberto Gil, nome que sempre foi grande divulgador do forró dentro da nem sempre acolhedora bolha da MPB.

Mariana Aydar e Mestrinho se unem em álbum dedicado ao forró
Mariana Aydar e Mestrinho | Crédito: Autumn Sonnichsen
Confira mais do papo que tivemos com Mariana Aydar

Em “Boy lixo”, você reforça essa atualização do discurso da mulher como protagonista do forró, como protagonista da própria narrativa. Eu achei isso bem interessante porque às vezes o forró talvez não seja visto como um estilo de música altamente politizado. Você acha que é uma imagem errônea que a gente tem do estilo ou através da história não houve esforço para mostrar o forró como uma música que fala sobre a atualidade, sobre política?

Não, eu acho que o forró fala, sim. Só que ele tem um jeito bem peculiar de falar isso, que às vezes fica disfarçado, que é o jeito que eu usei na narrativa para falar do boy lixo, que é falar de coisas importantes, só que com muito humor. Tanto falar de coisas importantes com humor como falar de tristeza com esperança, como falar de sacanagem também, sabe? De duplo sentido, mesmo. Então, sempre tem esse lugar do duplo sentido, mas eu acho que o forró sempre falou, mexeu na ferida, só que às vezes de uma maneira sutil. Por exemplo, “Filho do dono” é uma música completamente de dedo-na-ferida, completamente direta. Assim como tem muitas outras também.

Vocês conseguiram a honra de ter o Gilberto Gil na Faixa “Até o fim”. Acredito que o Gil seja um dos artistas que todo compositor ou cantor brasileiro sonha em fazer parceria. Como se deu essa ponte e por que especificamente nessa faixa?

O Gil é um grande ídolo para nós dois…Para quem não é, né? E ele é um Orixá da nossa música já, é um lugar de mestre mesmo, uma referência muito grande para a gente e para o forró também nesse lugar de quebrar as fronteiras entre o forró e a música [popular] brasileira porque, para mim, o forró é música brasileira. Assim, quebrar um pouco, desconstruir um pouco e inovar também dentro da linguagem do forró. E o assunto que essa música trazia é um lugar onde o Gil fala do amor, do amor da maneira mais grandiosa mesmo, esse amor que transcende. Ele fala e já falou isso de várias maneiras, né? Por exemplo, em “Drão”. Acho que essa música conversa muito com “Drão” também. Então, a gente pensou nele também falando desse assunto mais uma vez. E o Mestrinho também toca com o Gil, né? Ele tocou na banda do Gil várias vezes, então eles têm essa ligação musical e de amizade também muito grande.

Àquela altura, a cantora e compositora Mariana Aydar filmava um documentário dedicado à trajetória do artista. Ia visitá-lo com frequência no hospital e, invariavelmente, esbarrava na recepção com a mesma figura, um sanfoneiro e sua sanfona. Mestrinho não falhava um dia em sua missão de levar música a Dominguinhos, como o discípulo que devolve ao professor, em forma de som, toda a capacidade vital que recebeu dele durante uma vida inteira.
Crédito: Autumn Sonnichsen

Vocês conseguiram, mesmo antes do lançamento do disco, encaixar “Te faço um cafuné” na novela Renascer. Como vocês receberam essa notícia? Dá um ânimo novo para vocês, como artistas representando o forró, ter esse tipo de música numa novela das oito?

Sim! Ah, é sempre muito importante. A faixa que entrou não foi a que a gente gravou, foi a minha primeira versão de 2016, mas eu acho que só de a música estar lá, já dá força para todas as outras versões, né? Só de a gente ter essa música representando o forró numa novela tão importante assim… Lógico que a importância da música da novela já é diferente de como era antes, mas ainda é um lugar muito importante, onde a gente fura bolhas, onde a música chega pra pessoas que jamais chegariam. O alcance que a Globo tem, que a televisão tem é enorme, então eu fiquei realmente muito feliz, muito agradecida. É um presente mesmo, ainda mais nessa hora de lançamento de disco.

Durante algum tempo, vi algumas discussões sobre como se nomeia determinados tipos de forró, que o forró raiz, alguns chamam de “pé de serra”, outros chamam “raiz”. Aí, teve a inserção da eletrônica no forró, e chamam de  “tecnobrega”, outros dizem que é “forró”. Você acha que essa dissolução dos tipos de forró ou essa dificuldade de encaixar alguns tipos atrapalha na hora de inserir o ritmo no mercado fonográfico para o grande público?

O que a gente fez no disco é baseado no forró pé de serra, mas eu acho que a sonoridade cria pontes. A gente teve a vontade de unir a tradição com uma linguagem mais contemporânea, então, a inspiração é no forró pé de serra, mas também em muitos outros lugares da música brasileira. Então, eu acho que é um forró mais contemporâneo, talvez. Mas, eu gosto de falar que a gente vem do forró pé de serra, mesmo e acho legal a gente deixar isso claro porque, às vezes, sei lá, já dei entrevistas que eu falei que as pessoas têm muito preconceito com o forró. Qual é o forró que tem preconceito? O que eu estava falando era que tem preconceito com forró pé de serra, esse tipo de forró mais raiz. Então, todo mundo desceu o pau em mim, “quem é você para falar isso?”. Eu falei “gente, realmente”… porque hoje em dia tem um monte de tipos de forró. Eu acho que eles podem se ajudar. Se todos também vêm de um mesmo lugar, por que não? Por que a gente não se unir nesse lugar também, né? Não vejo problema.

Em algum momento ali no meio dos anos 2000, o forró que se costumou chamar de “forró universitário” bebia dessa fonte e trazia muito da sonoridade do Forró Pé de Serra – aqui eu não vejo tanta diferença – no entanto, ele não se manteve no mainstream. Você acha que é devido a esse preconceito que existe com o gênero? 

Olha, eu tenho medo de falar depois disso, porque eu não entendo, né? Porque eu sou uma forrozeira, eu ouço forró todos os dias, eu tenho milhões de vinis de forró, o meu artista preferido do Spotify, número 1 há 10 anos, é o Dominguinhos. Então, eu sou uma pessoa que consome forró, não só no São João, não só pra fazer disco, eu sou forrozeira de verdade e eu acho tão lindo, aquilo me toca tanto, mas eu vejo que existe algum tipo de resistência. Eu não sei se é um preconceito, não sei qual é o tipo de resistência, mas ainda existe uma resistência com o forró pé de serra. E o forró é igual ao samba. Agoniza, mas não morre. Sempre tem os seus levantes, como você bem disse do forró universitário que, na verdade, nada mais é do que um forró pé de serra, mas que eram os universitários que começaram a frequentar e, de repente, descobrir aquele som, de descobrir tipo “gente, forró é muito bom, forró é maravilhoso”.

Que tipo de sentimentos você espera que esse disco desperte nas pessoas ao ouvir, ao redescobrir o forró? 

Olha, independente do gênero, a música pra mim é amor, então, eu quero que as pessoas acabem a audição melhor do que elas começaram, que elas sintam o amor, que elas sintam a esperança, que elas sintam vontade de fazer algo novo, de se movimentar de alguma outra maneira. Então, o sentimento é esse amor mesmo nesse lugar maior, né? Eu acho que eu e o Mestrinho nos juntamos muito nesse sentido, sabe? A gente pensa muito nesse lugar independente do gênero. Acho que é isso: quando a música é feita com amor, ela vai tocar o coração das pessoas. E, pra mim, é para isso que eu faço música: para transformar a vida das pessoas em algo melhor.

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Última atualização em: 16 de abril de 2024 às 17:08

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