O single Kaysaras In Paris é um manifesto que carrega a essência da Baixada Santista e o potencial de seus artistas. Com produção de Allure Dayo, em parceria com Matheus D’Art, e participação de HARD From Jockey, a faixa dialoga com a icônica Niggas In Paris, de Kanye West e Jay-Z, mas com uma releitura que valoriza o contexto caiçara. Para Allure, a faixa ‘é sobre pretos dominando o mainstream’.
A parceria entre Allure e HARD começou de forma natural e evoluiu rapidamente para uma conexão artística. Os amigos, sentados lado a lado em entrevista ao Pretessências exibindo blusa dos Racionais MCs e um cabelo black bem alto, se conheceram em eventos culturais no litoral de São Paulo. “Quando vi o HARD cantando pela primeira vez, me identifiquei muito com a sonoridade, ideias e a parada de ser um jovem preto no rap,” relembra.
Trocadilhos ácidos
Essa sintonia transparece em Kaysaras In Paris. Allure revelou que a ideia para a música surgiu há muito tempo, mas precisava de alguém que compartilhasse sua visão. Além disso, a letra de Dayo já existia há um ano, enquanto HARD preferiu amadurecer a ideia antes de contribuir com sua parte.. O artista escreveu as linhas 20 minutos antes da gravação, preferindo usar o calor do momento para definir o impacto que causaria.
Na faixa, a dupla faz citações aos artistas Teto, Djonga, Ed Motta e Rashid, usando-os para representar o mainstream e fazer suas críticas à indústria musical e do rap. A letra é provocativa, e usa de trocadilhos divertidos para firmar o manifesto. Em uma das linhas, Allure diz: ‘Eu só quero ver o céu, mas o Teto não me ajuda / Eles dizem que minhas chances são de 30 pra uma’. O artista afirma que sente falta de mais atitude no rap, onde não existe medo de falar, questionar e criticar o sistema.
A conexão de ambos com a música começou cedo, moldada por influências diversas. Assim como muitos artistas, HARD cresceu em um ambiente musical ligado à igreja. “Os instrumentos e a música preta gospel estavam muito presentes na minha infância. Sempre gostei de rap, porém, não me via como um rapper. Me juntei com meus amigos de escola e começamos a fazer música”. Além disso, para Allure, o rap também foi um veículo para expressar sua criatividade desde jovem. A primeira vez que viu ser possível viver de rap foi em um filme do 50 Cent. Logo começou a fazer rap, e aos 16 anos começou a se aventurar na produção musical.
Energia caiçara
Kaysaras In Paris reflete essa bagagem ao combinar elementos do rap clássico, como boombap, com referências contemporâneas. A faixa também se inspira nas bandas de rock nacional dos anos 90, que são uma influência para Allure. “Essa energia de bandas como Planet Hemp, O Rappa e Nação Zumbi é algo que sempre trago. Eles misturavam vários gêneros de um jeito coeso”.
HARD explica que a musicalidade da faixa reflete a energia da dupla que formaram. “Eu quis trazer a vertente que vai pro lado do dancehall, e o tema é o que o ‘bate-cabeça’ pede. Algo que vai direto ao ponto.” Para Allure, assim como as bandas de referência, a vibe é o grande destaque. “A grande questão de Kaysaras In Paris é a energia dela. Com o mainstream, acaba se perdendo a sensação de estranheza na música. Aquele feeling de ‘fazia tempo que eu não ouvia um som assim’. Acaba sendo tudo muito igual”.
O título da música também carrega um simbolismo. A palavra “Kaysara” é uma variação de “caiçara” no tupi antigo, e para a dupla, ela representa a força de um movimento cultural em ascensão na Baixada. “Queremos falar que os caiçaras estão chegando sem medo da autenticidade. O povo da Baixada Santista tem trabalhos incríveis e não tem o mínimo de espaço que deveria ter no mainstream”, salientam.
Busca ao reconhecimento
A falta de suporte é uma preocupação para os artistas. O caiçara lamenta a dificuldade de obter apoio institucional e financeiro na região. “O caminho que trilhamos como artistas não é linear. A minha luta é para que pessoas como eu, da Baixada Santista e que amam a música, daqui a uns anos, tenham minimamente um caminho trilhado porque eu ajudei nisso”.
Ele aponta que, apesar de os criativos da Baixada estarem envolvidos em grandes produções nacionais, raramente ocupam os holofotes. Um exemplo levantado é o funk da região. “O funk 013 é um dos melhores do país e referência para todo funkeiro de hoje em dia, e não existe o mínimo de respeito. Os funkeiros da Baixada passam por vários perrengues, e não tinha que ser assim. Nosso projeto é esse: representar nossa parada e jamais esquecer que somos Baixada Santista”. Por fim, o som traz um discurso sobre pertencimento. O senso de identidade é perceptível na música, que celebra as raízes caiçaras enquanto mira em indiretas (bem diretas) ao cenário nacional.
Vale a pena acompanhar
O futuro da dupla está recheado de projetos. Além do clipe oficial de Kaysaras In Paris lançado em breve, eles planejam lançar novas músicas juntos. Allure Dayo também está desenvolvendo um selo independente para impulsionar artistas da Baixada Santista, chamado Oyaderula. Você pode acompanhar HARD e Allure pelo Instagram.