Karol Conká é uma daquelas personalidades que dificilmente provocam indiferença. E não é como se a “Mamacita” se esforçasse para passar em brancas nuvens pelo imaginário do público. Desde que surgiu para um público maior em 2011 (oficialmente, sua carreira começa antes, aos 16 anos de idade), a rapper suscita afetos em quem entra em contato com seu trabalho.
Nascida Karoline dos Santos Oliveira, a rapper curitibana está num momento de leveza na vida pessoal e na carreira. Ela apareceu em nossa chamada de vídeo com um ar leve e constante sorriso no rosto, o cabelo impecavelmente trabalhado com tranças artísticas e disposição para falar de música e de sua participação na comemoração de 40 anos do festival Rock in Rio, integrando o line-up do “Para Sempre Rap” ao lado de Criolo, Djonga, Marcelo D2, Rael, Rincon Sapiência e Xamã.
25 anos depois do início de carreira, Karol é uma veterana e seu legado não pode ser questionado. Com os olhos atentos, ela observa os caminhos atuais da cena do rap.
“Eu estou muito satisfeita com a cena atual do rap, porque quando eu comecei lá com os meus dezesseis anos, eu sentia falta de muita coisa que tem hoje. E eu acredito que isso também faça parte de uma evolução natural dos artistas que brigaram pra que isso acontecesse, artistas que me inspiraram até a estar onde eu estou hoje, artistas que cobravam em suas músicas a falta dos nossos nomes em publicidade, a falta dos nossos rostos em grandes campanhas e programas de TV. Hoje já é possível a gente ver a cultura da periferia sendo enaltecida em grandes veículos e eu consigo sentir essa satisfação principalmente pela cena feminina do rap”, reflete.
Mulheres no rap brasileiro
Se hoje o público mais jovem tem contato fácil com nomes como Duquesa, Ajulia Costa, Ebony, Slip Mami e MC Soffia, é porque existe Karol Conká, assim como ela lembrou no palco do Rock in Rio o legado de Dina Di, Nega Gizza, Negra Li e outros nomes que lutaram para que as mulheres furassem a protegida bolha do rap nacional.
“Eu acho que mulheres brasileiras têm que buscar inspiração em outras mulheres brasileiras. Então quando eu enxergo um aroma da minha música, um aroma da minha personalidade na arte de outra mulher, eu fico muito feliz, eu me sinto honrada, eu sinto que a gente tá fazendo um trabalho em conjunto, em equipe. Porque eu não conseguiria falar e cantar da maneira que eu faço hoje se não fossem outras mulheres. Até a Lauryn Hill que foi aquela que quando eu conheci eu falei, “nossa, é exatamente isso aqui que eu quero me tornar”, uma pessoa que usa das suas experiências e transforma em música, em melodia”, relembra Conka.
“Da cena atual, eu acho que a Duquesa está pronta! Ela é o momento, mas eu quero que ela seja um momento eterno, não só uma coisa assim, o momento de agora. Temos também Tasha & Tracie, AJulia Costa, a MC Soffia e a MC Luanna. Esses são os nomes queridinhos nossos. E eu tenho certeza que elas vão brilhar muito mais ainda.
Claro, ainda não temos o cenário perfeito para as mulheres no rap, mas aos poucos alguns paradigmas estão sendo quebrados. As vozes femininas não podem ser mais ignoradas, com um público crescente que nem sempre olha para o passado, mas se observar bem vai encontrar pancadas “abre caminhos” como Lá lá, Tombei e Kaça.
“A gente vem de um processo de reeducação, assim, no rap mesmo, da presença de mulheres. Era muito difícil ver grupo de meninas, uns vinte anos atrás, se juntarem para fazer um som juntas, sem que houvesse alguma tretinha envolvida… e isso tem tudo a ver com o machismo mesmo, com esse formato, esse mecanismo limitado da nossa sociedade que faz com que as mulheres não se enxerguem como parceiras, não se enxerguem como colaboradoras umas das outras”, explica a cantora. “E já os homens tendo aquela coisa de convivência em estúdio, andar em grupo, um enaltecendo o outro. Eu acompanhei esse movimento das mulheres entenderem que somos parceiras e hoje a gente tem aí várias crews de meninas que se juntam para se enaltecer, pra colaborar umas com as outras, incentivar umas às outras, e eu acho que o que pega é a falta de experiência, que os homens têm mais experiências no mercado do que as mulheres. Por conta de tudo o que eu já citei anteriormente.”
Uma fase boa e novo álbum
Em 2025, Karol Conka lança seu novo álbum, sucessor de Urucum. O projeto se torna mais especial por se tratar do ano em que a rapper celebra 25 anos de trajetória desde o dia que subiu no palco pela primeira vez. Entre olhar para as sonoridades contemporâneas e resgatar o que a consagrou no clássico Batuk Freak (2018), ela explica que trará uma fusão do que foi e do que é.
“Eu tô numa fase muito boa, eu estou muito feliz. Desde o começo do ano, eu voltei a ser feliz. Eu comento isso assim, “ah por quê? Mas você não era feliz antes?”, era! Mas eu digo assim, a felicidade mesmo. Eu encontrei a leveza e a dissolução dos problemas, do stress, porque a pessoa que vive com ansiedade, […] porque eu tive uma jornada longa com a questão de saúde mental, me aprofundei muito no autoconhecimento e isso me trouxe mais leveza”
No último domingo, Rincon Sapiência terminou seu set no Palco Sunset, no “Para Sempre Rap”, convocando Karol Conka que não se fez de rogada e mandou as pedradas “É o poder” e sua música símbolo, “Tombei”. “Quero deixar minha homenagem às mulheres que pavimentaram o caminho para eu estar aqui”, disse no palco citando Dina Di, Negra Li, Tássia Reis e Flora Matos
Se uma participação polêmica no Big Brother Brasil criou resistência em parte do público que não sabia quem era a artista por trás da participante, a relação com a crítica musical e com o público do rap sempre foi amistosa, vista a qualidade do trabalho musical da cantora. Mesmo que Urucum não tenha tido o impacto dos trabalhos anteriores, mostrou que das cinzas de um cancelamento havia muito talento a ser resgatado. “A minha relação com a crítica é super tranquila, por incrível que pareça. Porque eu respeito muito o livre arbítrio e a opinião dos outros, e eu acho que a crítica é válida. E quando eu faço um álbum, obviamente não faço pensando nas críticas, porque eu trabalho de maneira intuitiva mesmo. Se eu lanço um trabalho que a crítica não gosta muito, que acaba recebendo críticas negativas, eu vou procurar entender o quê que eu posso melhorar, mas também, por um lado, entender que todo mundo tem o direito de achar o que quiser da arte. A arte ela está ali para ser admirada, contemplada, também trazer dúvidas, a minha arte ela cutuca, então às vezes é natural que venham críticas positivas ou negativas, eu lido tranquilamente com isso”, conta com firmeza.
“Quando componho é quase que espiritual, vamos dizer assim, porque eu me sinto conectada com as sensações, com a emoção, então o que eu tenho pra falar é muito importante naquele momento e aquilo tem que estar de acordo com a melodia, de acordo com a minha essência, com o que eu sinto naquele momento”
Trabalhando em equipe, inclusive ouvindo conselhos da mãe, Ana Maria, a compositora parece aliviada ao falar apenas sobre música e arte, deixando as pautas mais comuns às subcelebridades para trás.
Narrativas do hip hop
O discurso de ostentação que domina o trap, subgênero do rap que tem feito a cabeça dos jovens foi tema recorrente no Rock in Rio. Marcelo D2 e Pitty falaram sobre o tema em coletiva de imprensa durante o festival. Na data da entrevista, pouco antes do início do evento, Conka declarou ao Pretessências seu ponto de vista sobre a poética dos artistas mais populares do trap. “Eu sinto uma necessidade de escrever mais sobre questões externas. Então, as minhas músicas, elas são mais de protesto, ou até autoajuda, já que é para levantar a autoestima mesmo. E eu sinto falta de ouvir umas músicas que cutucam mesmo a consciência”.
“Sinto falta de falar de amor, porque, no meu caso, eu mal falo de histórias de amor. Minhas músicas, minhas composições, elas não relatam o meu lado mais sensível no romance. É bem difícil! São poucas músicas, uma de grande de sucesso é “Saudade”, né? que é uma música sobre alguém que já não está mais ali… Então eu penso em chamar outros compositores que falam tão bem de amor pra eu poder interpretar, mas não tem como, tá na minha veia, as letras mais contundentes, os versos mais protestantes, isso com certeza vai ter no meu álbum”.
Em casa, Karol fica satisfeita ao ver que seu filho, Jorge, prefere escutar trap romântico ou o chamado rap de mensagem. Acho interessante, porque ele mesmo já falou pra mim o quanto acaba sendo vazio consumir músicas que na verdade não te levam pra realidade nenhuma. E eu criei o Jorge falando para ele que música é oração, então assim, eu só vou ouvir aquilo que realmente me preenche, faz eu me sentir bem. Eu mal escuto música de sofrência porque eu não me identifico com as sofrências, porque tem esse lance da carência afetiva, tudo mais, então, as minhas músicas falam de uma outra forma”.
Na análise da artista, o trap ostentação é uma fase de hiperfoco do público e que depois vai saturar. Criada no Boqueirão, bairro pobre de Curitiba, Karol Conka entende que possuir uma condição financeira melhor e ostentar não preenche de fato as ânsias das pessoas. “O aprendizado da nossa família é manter o pé no chão. A gente segue o que os caras do Racionais falam, vê os rajadão que o Ice Blue manda lá nas redes pros meninos mais novos. Eu boto pro meu filho ver porque realmente esse mundo hoje da internet traz um deslumbre e traz aquela sensação de que tudo é muito fácil”.
Resistindo a vários “tombamentos”, Karol respira aliviada e se mostra firme e convicta de que não precisa mais provar nada a não ser a si mesma. Ela atribui a retomada do bem-estar ao acolhimento de sua equipe, psicoterapia e família. “Todo esse apoio, me conectar com pessoas que têm essa energia boa é essencial para que eu possa subir num palco bem, pra que eu possa dar uma entrevista tranquila… eu tenho que me sentir artista e plena, mas ainda assim sempre com a humildade, e aí é importante ter pessoas que me conectam com essa humildade, com a clareza das coisas pra eu não viver só no lúdico. Então, eu quero deixar aqui já o meu agradecimento para minha equipe, pra minha gravadora, pros meus fãs, pro pessoal das mídias, pros repórteres, pra você também, do Pretessências, porque vocês fazem eu sentir artista, reconhecida, viva, e isso é combustível pra que eu nunca pare. Muito obrigada!”, conclui com um largo sorriso.