Quando o rap nacional iniciou um novo ciclo de popularidade, entre o fim dos anos 2000, perdurando até hoje, Projota surgiu como um dos nomes mais promissores da cena. Embora jamais abrisse mão dos versos políticos, era notável seu talento para misturar flow, melodia e boas letras românticas. Canções como “Ela Chora”, “Cobertor”, “Mulher” e “Enquanto Você Dormia” mostraram o talento do cantor para falar de amor em seus variados aspectos. Agora, quase 20 anos de carreira e muita poesia depois, o rapper paulistano despeja seus versos e rimas no projeto “Alguém Tinha Que Falar de Amor”, que aborda temas amorosos além da música, lançando as faixas como trilha sonora de uma série audiovisual exclusiva, disponibilizada em streaming gratuito no Youtube.
Projota aparece sorridente e feliz para a entrevista. É visível a satisfação do artista com a nova fase. “Não era o plano para esse projeto ganhar tanto escopo. Foi algo que aconteceu de uma forma muito natural. Eu estou há dois anos sem lançar álbum, então fiquei bastante tempo pensando o que eu queria fazer e aí eu senti de novo o coração acelerar quando eu mexi com as coisas. Eu estava catalogando as músicas que eu e percebi que eu tinha algumas faixas de amor que eram muito boas e que cada uma falava de um período do relacionamento. Uma falava do término; outra falava de um amor eterno, apaixonado; outra falava do remember, aí eu falei, ‘vou preencher essas lacunas’. E foi quando eu comecei a compor as músicas que faltavam pra preencher esses espaços nessa história de amor, do início até o fim”, conta.
Acostumado a fazer clipes de praticamente todas as faixas de seus últimos discos, o músico, ao entregar o projeto para o diretor Drico Mello, recebeu a ideia do profissional e sua equipe para transformar a narrativa em projeto audiovisual mais ambicioso. “Quando ele chegou e trouxe a ideia de fazer a websérie, a primeira reação foi: ‘Gostei![risos]’. Foi tipo, ‘caraca!’. E aí expandimos para falar sobre relacionamentos em tempos de tecnologia, realidade virtual, inteligência artificial e tudo isso deu uma cara mais única pra série”.
“Fico bem” corresponde à primeira faixa do álbum e, consequentemente, ao primeiro capítulo da história. O projeto completo é composto por 8 faixas musicais, com seus respectivos clipes, mais 8 capítulos da série centrada em uma narrativa romântica. Logo nessa primeira experiência, é possível notar a influência de “Ela”, clássico contemporâneo do cinema, dirigido por Spike Jonze e estrelado por Joaquin Phoenix. O solitário escritor Theodore desenvolve uma relação amorosa com o novo sistema operacional do seu computador e se apaixona pela voz da inteligência artificial, plot parecido com o abordado na série de Projota.programa, uma entidade intuitiva e sensível chamada Samantha. “A inteligência artificial vai conseguir criar algo muito próximo ao que já existe e dificilmente ela vai criar algo novo, que seja realmente interessante e que caia no gosto das pessoas. Mas impossível não é. Não dá para saber o que esperar desse negócio. Eu acho que a gente tem que ter cautela, mas também tem que saber explorar as tecnologias, não dá para fechar o olho e declarar que isso não pode existir, não dá, é impossível”, reflete o compositor.
“Eu acho que a gente tem que criar políticas pra tudo isso, regras pra tudo isso, assim como, pô!, na música, né? Eu sou um trabalhador da música, que posso ser substituído por inteligências artificiais, que daqui a pouco podem estar compondo aí as músicas e eu perder o meu espaço aqui, né? Eu costumo falar que quando é arte, eu acho que é uma coisa que é um pouco difícil porque realmente tem uma questão de uma sensibilidade que faz você criar algo novo, né?“
O álbum “Alguém Tinha Que Falar de Amor” conta com a participação de Mumuzinho, Priscilla, Budah, Sotam e Lou Garcia. A série homônima foi desenvolvida com a participação de mais de 70 profissionais de cinema em um formato inédito, jamais visto no mundo do rap. Dirigida por Drico Mello, com produção executiva de Haroldo Tzirulnik e a participação dos atores Patrique Novais, Nathalia Mastrobiso, Leo Drummond, Samantha Prates, Letícia Festi, João Vitor da Luz, Thauany Silva Santos e Lucas Krueger.
Projota, que já se aventura há uns anos como ator, participa da série atuando no enredo tradicional e também cantando na costura feita através de videoclipes. Toda semana será lançado um clipe de uma música e um capítulo da série no perfil oficial do artista, no Youtube, e uma faixa do álbum nas plataformas musicais. Na oitava semana, será lançado, juntamente com o último capítulo, o disco completo. “ E no final das contas, eu acho que o mais louco é poder chegar no final de um projeto que era um disco contando uma história de amor, ter uma série com incentivo da equipe que me cerca e poder passar uma mensagem ainda maior. Porque também abordamos essa coisa da solidão, depressão e tudo o mais relacionado ao que a tecnologia traz pra gente também”, reflete.
Difícil fugir completamente do assunto BBB 21, onde Projota viu parte de sua imagem pública ser arranhada após atritos com outros participantes. Parte do público dizia até que ele não era o que falava em suas músicas. Em 2022, com o álbum “A Saída Está Pra Dentro”, ele tentou exorcizar parte desses conflitos internos musicalmente, mas ao falar dessa fase, é perceptível que há pouca satisfação com o resultado final do projeto. Talvez a saída seja falar de amor, música e cinema.
Hoje existe um rap, existe um hip hop, que não está falando de salvar, mas que está salvando também, tá ligado? Quando você vê um moleque como o Caveirinha fazendo a família dele ficar milionária, e depois levantando o irmão dele, que já era aliado dele, escrevia junto com ele – o KayBlack, se tornando um dos maiores artistas do Brasil… e aí você tem dois raios caindo na mesma casa, que era uma casa
numa favela, mano, e hoje é uma casa da hora, com piscina, graças a Deus, ver meninos
assim transformando a vida da família deles, isso é hip hop pra caramba, mano!”
“Eu sinto que quando eu saí do reality, eu me sentia em dívida, no sentido de fazer uma música, um disco, que tivesse algo a ver com aquilo, que relatasse, que retratasse aquele momento que eu estava vivendo. E aí eu fiz “A Saída Está dentro”. E, cara, eu jamais me arrependo de nenhum trabalho, nem nada, não é arrependimento, mas eu sinto que tipo, ‘é, eu tive que fazer!’. Eu, o Projota naquele momento, ele teve que fazer. Foi também um desabafo, uma forma de colocar aquilo pra fora, sabe, de tentar me livrar de alguma energia que eu não estava gostando que estava ali, saiu naquele disco, eu coloquei para fora. Agora, eu sinto que é simplesmente o Projota seguindo, sabe?”, desabafa.
Confira mais do nosso papo com Projota
Desde quando você pensa em trazer um projeto que tenha um escopo tão grande, que atravessa intermídias? Música, cinema…?
Se eu te falar, que nem estava no plano. Não era o plano pra esse projeto, não era o plano. Foi algo que aconteceu de uma forma muito natural. Fomos lapidando as ideias eu fui gostando cada vez mais e grande parte, talvez quase todas as ideias acabaram sendo mais do Drico após receber o briefing do Aroldo Tzirulnik , meu empresário.
Então acaba sendo bom, você estar cercado de gente que, além de curtir o trabalho que você já propõe, chega com novas pautas e expande esse universo…
Pode crer, tipo, isso mesmo. É importante isso, você estar cercado de gente que agrega de fato, que não está ali só fazendo peso, fazendo sombra só, gente que realmente vem agregar, vem fazer, botar a mão na massa. E eu com o meu empresário, a gente tem uma relação muito assim desde sempre, a gente sempre foi muito junto ali fazendo as coisas, é muito participativo. Estar no estúdio comigo todo dia quando a gente está gravando, então é uma coisa que a gente acaba pensando tudo muito junto, tá ligado?
Quais as influências, além do que já está acontecendo em nossa sociedade, que te ajudaram a compor esse cenário de disco e audiovisual?
Pra mim, a principal sempre foi Black Mirror, tá ligado? Que é tipo uma parada que eu gosto muito, que tem episódios que são relacionados à inteligência artificial e à realidade virtual, também, que a gente usou muito o VR na nossa, né? E o filme “Ela”, do Spike Jonze, claro.
Hoje a gente vive entre discussões e eu acho que você como artista deve ter já lido ou visto sobre até onde vai o papel da inteligência artificial. Você teme que a inteligência artificial substitua relações interpessoais?
Acho que lidar sem medo não dá, a gente tem que ser temeroso, tem que ter no mínimo um receio pra poder saber como utilizar tudo isso, como entregar isso pras pessoas e como que as pessoas vão se relacionar com essa nova tecnologia. Por mais que pra alguns seja um problema, pra outros é solução, então quando a gente pensa em inteligência artificial a, gente pensa que algumas pessoas podem perder o trampo por conta disso, por que vai ter uma inteligência criando algo que essa pessoa deveria estar recebendo pra criar, mas ao mesmo tempo, pro cara que está contratando, resolveu a vida dele. E aí é meio complexo isso, é difícil você pensar, é difícil… por mais que a gente sempre tente ficar ao lado do trabalhador, mas cada um vai ter a sua escolha pra se fazer, tá ligado?
Como chegar nesse equilíbrio de ter essa sensibilidade pra falar de amor na música, mas sem deixar de lado aquela vertente de protesto que o rap sempre traz?
É algo que já me incomodou bastante, porque eu queria falar e eu não me sentia com coragem mesmo, me faltava esse pulso firme de bater de frente às vezes e falar, “não, foda-se! Vou falar do que eu quero falar”. Muitas vezes eu tentava agradar esse público mais conservador, eu tentava agradar, eu tentava. E ao longo dos anos eu só fui percebendo que eu não devia nem ter começado a fazer isso. Eu devia sempre ter agido por mim mesmo, sempre ter agido pelo meu instinto, tudo! Porque óbvio que eu fiz, óbvio que eu dei a cara a tapa, óbvio que eu gravei com a Anitta quando muita gente me criticou por isso, óbvio que eu fiz as músicas de amor, óbvio que eu fechei com a gravadora, óbvio que eu fui na televisão. Fiz muitas coisas! Mas eu devia ter feito tudo o que eu queria ter feito. Tudo! Porque… essa galera nunca segurou a minha mão quando eu precisei, tá ligado? Quem segurou a minha mão foram os meus fãs. Os meus fãs ficaram comigo independente de tudo o que eu fiz. Mas essa galera que já me criticava lá na época, eles nunca souberam perceber o tanto de coisa que eu deixei de fazer pra tentar agradar eles, tá ligado?
O tanto de rap que eu fiz pra tentar agradar eles… É, e aí quando nos momentos que eu precisei, nos momentos que eu precisei que eles me ajudassem a fazer o meu trabalho se ampliar, no momento que eu precisei da presença deles nas minhas redes, nos momentos que eu precisei que eles tivessem um pouco de calma pra receber uma música de amor, porque daqui a pouco vai vir uma mais politizada, eles nunca tiveram essa calma, tá ligado? Então, tipo, hoje eu já… tipo, “Ah, mano, na moral, eu devia ter feito o que eu queria ter feito!” e pronto.
“A minha verdade não é a verdade dessas pessoas e, infelizmente, eu tentei comprar a
verdade deles como minha e não era, tá ligado? É… mas ao mesmo tempo, eu sempre
vou ser preocupado em relação a isso. Entender que o rap nunca vai ser só um estilo
musical. Ele sempre, ele faz parte do movimento mais espetacular da história da
humanidade, que é o hip hop, tá ligado? Porque… eu falo assim mesmo porque ele mudou
a minha vida. Ele mudou a vida da minha família, ele mudou a vida dos meus amigos.
Então, tipo, pra mim é o maior de todos os tempos, tá ligado? É o movimento cultural que
mais afetou a minha vida. E que salva a vida de milhões de jovens ao longo de gerações”