Algumas histórias podem moldar nossos desejos, interferir no que comemos e até colocar nossa vida em risco. É isso que mostra o documentário “O que se vende, o que se come”, que acaba de ser lançado pelo Instituto de Defesa de Consumidores (Idec). O filme está disponível no youtube do instituto e traz depoimentos de diversos especialistas renomados que dialogam com o tema. A narrativa alerta sobre os riscos da publicidade enganosa e abusiva que induzem ao consumo de alimentos ultraprocessados.
“É comum, por exemplo, a publicidade de ultraprocessados destacar que seus produtos levam ingredientes naturais, como frutas, leite e mel, e não outros que seriam vistos como menos saudáveis. Porém, muitas vezes o item nem está de fato na composição desses produtos, sendo chamado de ‘ingrediente fantasma’”, exemplifica a nutricionista Laís Amaral, coordenadora do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.
O curta é dirigido por Rafael Melim e tem direção geral de Chica Andrade, integrantes do Coletivo Bodoque, que apresentam dados, pesquisas e entrevistas, mostrando uma série de estratégias utilizadas pela indústria de ultraprocessados para vender mais e a importância de medidas regulatórias na publicidade desses alimentos.
Uma das estratégias que o documentário apresenta é a adição de aromatizantes, corantes e/ou edulcorantes na composição dos ultraprocessados, tornando-os hiperpalatáveis. “Isso para que gerem uma quantidade excessiva de estímulos no paladar das pessoas e, assim, elas consumam muito mais desses itens do que consumiriam de um produto natural. Ou seja, são produtos arquitetados para viciar”, destaca a nutricionista e professora da USP, Ana Paula Bortoletto.
Segundo dados do documentário, estudos da última década associam o consumo de ultraprocessados com o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e doenças do coração, ao mesmo tempo em que o faturamento anual dessa indústria no Brasil é de mais de R$ 1 trilhão.
Os especialistas ouvidos no documentário apontam a importância da implantação de políticas públicas. Desde 2022, alguns produtos já trazem uma lupa na parte da frente da embalagem, indicando quantidades excessivas de açúcar, gordura saturada e/ou sódio. Porém, Igor Britto, diretor-executivo do Idec, destaca que são necessárias a criação e instituição de outras muitas políticas regulatórias de alimentação e nutrição, já que a publicidade é uma atividade autorregulada pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária.
“Aqui nós temos maior interferência dessa indústria nas políticas públicas e nos debates no Congresso Nacional do que em outros países. Esse setor vem criando resistência e fazendo forte pressão política e econômica para que não cheguem no Brasil leis e regras como as que estão sendo aprovadas pelos países vizinhos”, explica Igor Britto.
A coordenadora do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, Laís Amaral, ainda destaca que a publicidade de produtos ultraprocessados leva as pessoas a acreditarem que estão consumindo algo saudável, quando na verdade não estão. “É uma publicidade enganosa, então pode, além de ser denunciada aos órgãos reguladores, ser contestada judicialmente, mas nossa luta é para uma regulamentação que facilite nossa liberdade de escolha, sem informações distorcidas”.