De acordo com uma pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mais da metade da população brasileira é composta por pessoas declaradas pretas e pardas (56,1%). Nas periferias, pessoas pretas e pardas também compõem grande parte da população e são as mulheres negras dessa região as que mais sofrem com a desigualdade social e desemprego no país (13%).
Diante desse contexto, a ONG PAC (Projeto Amigos da Comunidade) – que atua há mais de 21 anos com crianças, jovens, adultos e idosos em situação considerada de ‘extrema vulnerabilidade social’ nas regiões de Pirituba, São Domingos e Jaraguá – desenvolve o programa “Afro PAC”, que atende mais de 400 famílias com oficinas gratuitas que buscam promover a equidade racial nas comunidades periféricas que trabalha. Dentre os projetos, o Balé Ayó (palavra de origem nigeriana que significa alegria), um corpo de balé composto somente por bailarinos negros, focado em trabalhar a autoestima e empoderamentos de crianças e adolescentes racializados por meio da dança.
“A partir do programa de oficinas AfroPAC do conseguimos resgatar a ancestralidade negra, empoderar e trabalhar o letramento racial especialmente de crianças e adolescentes, por meio do protagonismo de figuras negras na história, na música em todos os seguimentos. No Balé Ayó por exemplo, eles podem dançar com seus cabelos afro soltos e tem as sapatilhas e meias da cor de sua pele, para que elas reconheçam que esse espaço também é deles. O intuito é que uma vez fortalecidos e com oportunidades, eles possam enfrentar o preconceito”, afirma Agatha Minas, coordenadora do AfroPAC.
O balé como forma de empoderar
A jovem negra Jaqueline Vitória Luz, de 18 anos, moradora da região periférica de Pirituba encontrou no balé um refúgio diante das desigualdades sociais e o incentivo para seguir os estudos.
Morando com a avó e a prima, a jovem teve a vida atravessada por dificuldades financeiras. Contudo, Jaqueline teve acesso a novas perspectivas aos 10 anos, quando sua família recebeu a visita de uma assistente social da ONG PAC (Projeto Amigos da Comunidade) que ofereceu a possibilidade de participar das oficinas gratuitas promovidas pela ONG.
Jaqueline ingressou no projeto de balé do PAC, como uma atividade para se dedicar no contraturno escolar. Foi no balé que a jovem encontrou forças para enfrentar as dificuldades familiares e a desigualdade promovida pelo racismo. “Estava muito difícil. Entrei em uma fase depressiva com pensamentos de suicidas, mas o balé me ajudava e a professora Alcione me ouviam, aconselhava e dava forças”, comenta a jovem.
Além do aconselhamento pela professora, Jaqueline passou com psicólogos da ONG e na sequência ingressou no grupo de Balé Ayó, da ONG PAC. Um corpo de balé composto somente por bailarinos negros, em que crianças experienciam a ancestralidade por meio da dança e se tornam protagonistas. Uma das premissas é que as bailarinas possam manter seus cabelos soltos, sem o uso de coques que podem ser desconfortáveis em cabelos afros, além do uso de sapatilhas e meias na mesma tonalidade de sua pele.
Para a jovem, o Balé Ayó, foi uma forma de resgate, empoderamento e valorização da sua autoestima enquanto pessoa negra periférica. “Eu não gostava do meu cabelo, aprendi a amar quem eu sou, minha imagem e me empoderar. Eu podia dançar com meu cabelo solto, e tinha a certeza de que a cor da minha pele não me define”, conta emocionada.
Segundo a jovem, no curso temas como racismo e preconceito, e como combater a discriminação na sociedade eram debatidos, além de impulsionar os jovens negros a verem além da realidade que vivem. “Sempre tínhamos o incentivo para que ninguém nos diminuísse pela nossa raça e que a realidade que você vive não é a que você terá para sempre, por isso é preciso se dedicar e mostrar o seu potencial”, comemora a jovem.
Letramento racial como forma de vencer o racismo
Para Thawany Cristina Silva Pereira, de 18 anos, o balé foi um espaço para se empoderar e vencer o preconceito.
A jovem conta que era vítima de bullying na escola, devido ao seu cabelo cacheado e aos 12 anos passou por tratamentos químicos para alisar o cabelo: “Eu tinha vergonha do meu cabelo, inventavam apelidos, era horrível principalmente para uma criança”, comenta Thawany.
Nesse período a jovem encontrou no balé o seu alívio e refúgio diante do preconceito e pôde ter mais conhecimento sobre sua identidade. A partir das aulas de letramento racial e palestras, além das conversas com a professora e colegas do corpo de balé, Thawany teve mais consciência sobre sua identidade se entendendo como uma menina negra.
Thawany se dedicou durante alguns anos no Balé Ayó, passou por companhias, mas sabia que precisava de alternativas para contribuir financeiramente com a família. Por isso, incentivada pela equipe da ONG PAC, ingressou no programa de formação Jovem com Futuro.
“Com o Jovem com Futuro, aprendi sobre Gestão Empresarial, como funciona uma empresa em cada parte e percebi que era capaz de estar em qualquer lugar que quisesse. Além de descobrir que eu adoro administração financeira”, comenta Thawany.