A premissa de Presença (originalmente Presence) é interessante e instigante. Uma história de terror dramática contada a partir do ponto de vista da entidade e não dos assombrados. Dirigido por Steven Soderbergh (Traffic, Onze Homens e um Segredo, Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento , Contágio, e escrito por David Koepp (Jurassic Park, Quarto do Pânico), o thriller psicológico segue uma família que se muda para uma nova casa, apenas para descobrir que estão sendo observados por uma entidade sobrenatural. O filme lembra outro filme com a proposta parecida, A Ghost Story, lançado em 2017, mas passa longe de acertar na carga dramática da obra dirigida por David Lowery.
Segundo Soderbergh, a ideia para o filme surgiu de algo que aconteceu em sua própria casa em Los Angeles. “Presença surgiu de algo que aconteceu na casa que possuo com Jules (minha esposa) em Los Angeles. É um fato que uma pessoa morreu na casa antes de nos mudarmos e o rumor é que é uma mãe morta por sua própria filha. Nós estávamos conscientes quando compramos essa casa e, desde então, tivemos situações de ‘fui eu que apaguei essa luz?’“, revelou o cineasta.
Sim, a câmera em primeira pessoa pode lembrar num primeiro momento os famigerados found footage, mas ao contrário da tremedeira característica desse tipo de produção, Soderbergh, conduz uma câmera fluída, que passeia pelos cômodos como um espectador invisível, que parece ser íntimo dos novos moradores da casa, sobretudo da filha mais nova, interpretada de com uma aura deprimida convincente por Callina Liang.

A escolha por seguir uma contagem de história nesses moldes até cria tensão eficaz no começo, mas logo a sensação se esvai com o drama picotado da família, com elementos jogados e não explicados sobre as condutas profissionais e pessoais dos adultos da casa.
A fotografia, assinada pelo próprio Soderbergh (sob o pseudônimo Peter Andrews) é hábil no jogo de claro e escuro do ambiente para criar o ar de opressão da casa,mas não é por falta de habilidade com a câmera na mão do diretor que Presença falha em sua missão. O roteiro de Koepp, tenta costurar horror e drama familiar, mas acaba aprisionado nos estereótipos da família disfuncional, ainda que os personagens sejam defendidos com competência pelos atores.
Enquanto a mãe controladora (Lucy Liu) parece ligar pouco para o luto da filha que perdeu duas amigas de forma misteriosa, o pai (Chris Sullivan), tenta de forma desajeitada ser o apoio da garota, visto que a mãe é declaradamente mais apegada ao filho mais velho (Eddy Maday) e a filha adolescente.
É nítido que o diretor se apoia no talento dos atores para tentar segurar as pontas soltas do filme. É sempre bom que uma produção ouse em não ser mastigada, mas não ser expositiva e ser confusa são coisas diferentes. A trama tenta engajar o público com a sutileza das intervenções da “presença”, mas por jamais entendermos suas motivações até o final do filme, também deixamos de nos importar com aquela família.
Luto na adolescência e depressão

O filme explora temas como a inabilidade dos pais em lidar com sentimentos de inadequação e luto em seus filhos. Sem saber como agir, os pais acabam reforçando uma dinâmica familiar disfuncional. Para quem gosta de simbolismos, é possível interpretar a entidade como uma metáfora para os complicados contornos opressivos familiares. Contornos esses traduzidos na solidez das interpretações de Lucy Liu e Callina Liang. Mesmo quando aparecem em cenas diferentes, é possível sentir o enorme muro sendo construído entre mãe e filha enquanto o pai completamente perdido e tentando conter emoções para mediar o conflito derrete durante o passar dos dias.
Presença tenta surpreender com um final ambíguo, o que pode não agradar os fãs de um terror mais tradicional.
A experiência é válida pela tentativa de fugir do lugar comum, com a câmera subjetiva como protagonista, mas a indecisão entre drama e terror acaba por fazer do filme uma jornada irregular em ambos os gêneros. O impacto final poderia ser um fator positivo do longa se a construção da narrativa até lá fosse mais rica em tensão. Vale ver para debater no bar com os amigos.