O começo de “Passagrana”, filme dirigido por Ravel Cabral e em cartaz desde 19 de setembro nos cinemas nacionais, dá medo de estarmos assistindo a mais um favela movie genérico em que jovens negros são violentamente mortos ou passam por torturas físicas sob a alegação de estarem retratando a realidade. Felizmente, o longa passa bem longe disso e segue por um caminho totalmente diferente, sendo em muitas medidas surpreendente em sua abordagem e desenvolvimento de personagem.
“Passagrana” é um filme heist, ou popularmente conhecido como ‘filme de assalto’, e o Brasil não tem tradição em contar esse tipo de história com bons resultados (alô “Assalto ao Banco Central”).
O longa acompanha Zoinhu (Wesley Guimarães), Linguinha (Juan Queiroz), Mãodelo (Elzio Vieira) e Alãodelom (Wenry Bueno), quatro amigos que enfrentam a dura realidade de viver à margem da lei. Cansados de uma vida marcada por pequenos golpes e fugas constantes da polícia, eles encontram uma oportunidade de assalto a um banco que promete mudar suas vidas. O que começa como uma chance de escapar da precariedade, rapidamente se transforma em um jogo de vida ou morte. Ao se depararem com policiais corruptos liderados pelo delegado Britto (Caco Ciocler), o plano do grupo começa a desmoronar, e eles se veem envolvidos em uma trama cada vez mais complicada e perigosa.
O quarteto protagonista é extremamente carismático e apesar da ideia absurda que concebem para assaltar o banco, os atores vendem muito bem a convicção que os personagens possuem no plano, fazendo com que seja impossível não torcer por eles.
Wesley Guimarães, intérprete de Zoinhu, repete o bom trabalho feito em “Trampolim do Forte”, “Cidade Invisível” e no curta-metragem “Quantos Mais?” (2021), sendo o cabeça do grupo, que de repente se pega pensando em todas as possibilidades que poderia ter se tivessem lhe sido dadas oportunidades. Mesmo sem expressar em falas, vemos na mudança de postura e nos olhos de seu personagem o encanto ao começar a interagir com jovens de classe média integrantes de escolas de teatro.
A ideia completamente absurda de realizar um assalto a banco como se filmassem um longa e assim enganar autoridades tropeçaria fácil no ridículo se o roteiro esperto não se levasse a sério e oferecesse momentos de genuíno humor, arrancando gargalhadas sinceras em momentos chave da necessária quebra de tensão.
Falando em tensão, o diretor conduz com maestria a angústia crescente necessária nesse subgênero de filme. Não simpatizar com os personagens pode acabar com a intenção da trama em que os protagonistas não são exatamente exemplos de virtude moral. No entanto, Ravel Cabral sabe explorar com humor as motivações de cada envolvido, trazendo à tela alguns momentos maravilhosos, como as participações de atrizes famosas da vida real nos testes falsos realizados pelos 4 ladrões de rua.
Para o temor por tudo dar errado funcionar em bom tom, um bom vilão era necessário e Caco Ciocler não erra como figura ameaçadora e implacável com tendência sádicas por colecionar partes de corpos de suas vítimas. Mas justamente por essa predileção maquiavélica, o policial soa um tanto deslocado do clima mais leve proposto pela maior parte da projeção. Outro ator, em um filme assim, poderia cair facilmente no excesso de caricatura, mas Ciocler manda bem.
O planejamento e execução do roubo ficam mais deliciosos de acompanhar por se tratar de um intento feito em paisagens brasileiras, com figuras e processos que nos identificamos, facilitando a simpatia e a compra da história.
Em algum momento, é preciso que haja suspensão de descrença bem grande para acreditar que algumas situações possam passar batido por uma série de fatores, mas se podemos fazer isso com carros que explodem no espaço dos filmes enlatados estadunidenses, aqui fica fácil.
O ponto baixo fica pelo pouco desenvolvimento de Mãodelo e Alãodelom, que cedem espaço para um romance truncado de Zoinhu e Joana (Giovana Grigio). Não que um romance como maneira de internalizar conflito no protagonista atrapalhe o andar da carruagem, mas faz com que a união do quarteto perca coesão.
Talvez se a diferença de classe e raça entre Joana e Zoinhu fosse mais explorada (parece que houve cortes nesse desenvolvimento), o núcleo amoroso ficaria menos frágil.
“Passagrana” é um dos filmes nacionais mais divertidos dos últimos anos. Inteligente e bem humorado, contorna seus pontos frágeis com boa comédia e ótimas atuações. O Brasil precisa investir mais em cinema de gênero sob óticas espertas assim.
Passagrana é um filme realizado pela INTRO Pictures, em coprodução da Star Original Productions e distribuição da Star Distribution.