Entre tantas criaturas que ganharam tentativas de reavivamento de popularidade através dos anos, talvez a que mais tenha sofrido foi o Lobisomem. Do ruim “Um Lobisomem Americano em Paris” (1997), até a farofa mal renderizada vista em “Van Helsing – O Caçador de Monstros” (2004), e os famigerados lobos da saga “Crepúsculo”, os licantropos não têm sido retratados à altura de sua lenda.
“Lobisomem”, dirigido por Leigh Whannell (“O Homem Invisível”), vem para tentar dar novo fôlego ao clássico monstro, trata-se de uma releitura do longa homônimo da Universal com Lon Chaney Jr., lançado em 1941. A narrativa usa a maldição licantrópica como metáfora para as dificuldades de relacionamento dos homens com seus filhos e demais familiares, sendo a masculinidade tóxica uma doença que, se o ciclo não for quebrado, será para sempre passada de pai para filho, respingando em todos que estão perto.
Decidido a salvar o casamento, Blake (Christopher Abbott) leva sua família para a antiga fazenda de seu pai, mas logo ao chegar são atacados por um animal sedento de sangue feroz. Eles precisam se esconder e tentar sobreviver enquanto o próprio Blake começa a se comportar de forma estranha, transformando-se em algo irreconhecível e ameaçador.
Blake é um escritor decidido a não ter com sua filha Ginger (Matilda Firth) o mesmo relacionamento conturbado que teve com seu pai (Sam Jaeger). Ele busca desesperadamente encerrar um ciclo de angústia familiar, mas a própria ânsia existente nele contamina a família, já que sua contenção excessiva o faz parecer sempre artificial. Essa personalidade é bem defendida por Christopher Abbott, que tem bons momentos de interação com a pequena Matilda Firth. Já o elo mais fraco do elenco é Julia Garner, que não parece estar em frente a uma mudança radical e monstruosa que toma conta da família.
A cenografia gótica e a trilha acertada ajudam na imersão da história, mas são pouco para segurar a tensão frágil que o filme tenta construir. O diretor tem uma boa premissa nas mãos, mas não sabe para que lado ir, entregando uma história difusa e que pouco engaja. Entre o drama e o terror, Leigh Whannell consegue errar em ambos.
Da parte dramática, muito poderia ter sido desenvolvido sobre a relação familiar que, já fragilizada, passa a ser dissolvida por um homem que luta para manter os últimos traços de lucidez enquanto enfrenta a dissolução da própria identidade. Havia muito simbolismo para ser explorado sobre a criatura vencendo a força de vontade do homem e as relações perversas e quase inquebráveis de masculinidade tóxica entre pai e filho, mas o diretor consegue desperdiçar todo o potencial quebrando o ritmo da narrativa para cenas de perseguição pouco inspiradas.
Para quem é versado em filmes de terror, provavelmente vai sentir o nível de interesse caindo gradativamente com o passar dos minutos. A relação entre marido e esposa não tem química e a personagem de Garner parece indiferente ao perigo que corre, agindo como uma adolescente de filme slasher em diversas ocasiões.
Leigh Whannell abriu mão até mesmo do body horror, com as transformações do lobisomem sendo completamente anticlimáticas e sem graça, nos fazendo sentir saudade dos efeitos usados em “Um Lobisomem Americano em Londres”, filme de 1981, com o melhor efeito de transformação do tipo na história do cinema. E não é como se Whannell não fosse um realizador competente no campo do terror. Ele comandou o bom “O Homem Invisível” e esteve com James Wan para conceber ”Jogos Mortais”, sucesso nos anos 2000, com seu horror psicológico e violência gráfica.
Talvez se “Lobisomem” se detivesse mais na relação de Blake com seu pai e os conflitos causados entre um filho que quer encerrar ciclos e o pai que acha que “macho precisa esconder sentimentos”, o simbolismo da criatura fosse melhor explorado, ou se o diretor abraçasse a farofa e visasse a simples diversão também, mas, ao ficar no meio do caminho, entrega uma obra que após os primeiros vinte minutos, resvala facilmente no tédio. Nem o isolamento civilizatório em que a família se meteu é bem utilizado para construir sensação de opressão.
Como dito acima, esteticamente, “Lobisomem” é competente. Há atmosfera nos cenários, na trilha, mas é como um morango em cima de um bolo ruim.
“Lobisomem” entrega estética com drama praticamente ausente e terror sem sal, jogando fora a diversão possível e as possíveis reflexões filosóficas ou psicanalíticas em cima dos temas pincelados. O que se pode fazer é esticar a experiência do filme para algum conhecimento fora da película e assim tentar conferir camadas onde não há, como por exemplo buscar nas interpretações freudianas algo sobre o livramento das amarras sociais através da transformação em lobo, mas isso seria demais para um filme que nos oferece tão pouco.