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“Coringa – Delírio a Dois” é uma piada de mau gosto, sem graça, e que parece querer punir o personagem e o espectador

“Coringa - Delírio a Dois” é uma piada de mau gosto, sem graça, e que parece querer punir o personagem e o espectador

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Com um orçamento de U$ 55 milhões, “Coringa” (2019) atingiu a marca de U$ 1 bilhão, elogios da crítica e o Oscar de Melhor Ator para Joaquin Phoenix, tornando o personagem o único do gênero de heróis a premiar dois atores diferentes na maior honraria do cinema mundial (Heath Ledger ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por sua atuação em “Batman: O Cavaleiro das Trevas”). O filme termina redondo, fechado, pronto para ser um clássico contemporâneo, mas a boa e velha indústria de Hollywood sempre quer espremer mais e mais.

O culto em volta do personagem tem crescido desde a representação de Ledger e nem a versão aparvalhada de Jared Leto interrompeu a ascensão do Coringa como símbolo de uma comunidade que não consegue gostar de uma criação artística feita como caricatura de uma masculinidade louca e assassina sem se identificar pessoalmente com ela.

O filme de 2019, de Todd Phillips, reforçou mais ainda a imagem do Coringa como ícone de um movimento masculinista incapaz de reconhecer os próprios privilégios. Nem as boas passagens do longa sobre o descaso do serviço público com a saúde mental foram bem compreendidas.

Chegamos a 2024 e “Coringa – Delírio a Dois” chega com a promessa de expandir a mitologia do personagem, trazendo sua parceira, conhecida nos quadrinhos como “a palhaça do crime”. Arlequina, interpretada pela estrela do pop Lady Gaga, é parte central do marketing da produção, anunciada, para desespero de muitos, como um musical.

“Coringa - Delírio a Dois” é uma piada de mau gosto, sem graça, e que parece querer punir o personagem e o espectador
Warner Bros. Pictures

Ainda que musical não seja o gênero favorito de parte do público, o início do filme parece promissor. Mais pela ansiedade gerada em como seriam tratadas as repercussões de seu antecessor do que pela entrega dos minutos iniciais em si, as primeiras canções são boas e ouvir a voz de Gaga nunca é algo a se reclamar.

Phoenix, por sua vez, que já protagonizou o bom musical cinebiografia  “Johnny & June”, parece ter sido incumbido de não cantar bem, o que não atrapalharia se as canções não ficassem cada vez mais cansativas conforme a trama avança. Entre versões e músicas feitas exclusivamente para “Folia a Dois”, as letras tentam ser uma extensão do fiapo de roteiro, mas pouco funcionam para dar coesão à narrativa de amor entre seus protagonistas.

Arthur Fleck segue preso enquanto espera julgamento após os seis assassinatos que cometeu. A admiração dos presos por ele é visível e, pelo noticiário da TV, é informado ao público que ele conquistou um grande número de simpatizantes dispostos a ir às ruas para pedir sua soltura. No entanto, absolutamente nada das reverberações sociais dos atos de Fleck é explorada. Mesmo que se entenda a intenção de seguir um estudo de personagem, entender a extensão de seus atos em Gotham seria um desenrolar natural da jornada. O diretor prefere focar nas divagações e encontros do protagonista com Harley Quinn.

É inexplicável a aparição de Quinn dentro de uma cadeia cheia de homens doentes mentalmente como uma interna e mesmo que se explique pelo prisma de ser apenas um devaneio de Arthur, é muito mal explicado. Ou melhor, não é explicado. Ao contrário do longa anterior, que muitas das interações femininas com o Coringa eram solitárias, sem testemunhas, aqui, há a todo momento exposição da Arlequina como alguém real, vista por todos, tornando o fato dela provavelmente não ser uma alucinação ainda mais incoerente.

Na verdade, apesar de sabermos pela sinopse que Gaga encarna Arlequina, pouquíssimo da personagem é desenvolvido de forma satisfatória. Não temos nem a desequilibrada criada na fabulosa animação “Batman – A série Animada”, nem a dependente emocional dos primeiros quadrinhos, tampouco a emancipada da fase atual e menos ainda o charme eternizado por Margot Robbie nos irregulares filmes do antigo universo cinematográfico DC. Todd Phillips parece punir a personagem por ser tão popular quanto o Coringa.

E por falar em punição, ao tratar mal seu personagem principal, fica a dúvida se o diretor também não quis, propositalmente, castigar os incels adoradores do palhaço do crime. A reverência sincera e a crítica contida antes no desequilíbrio mental de um homem estilhaçado por vários fatores dentro de uma sociedade que pouco se importa, desaparece, sobrando apenas um limbo de ideias, a apatia que não é salva nem mesmo pela ótima interpretação de Joaquin Phoenix. E leia-se “ótima” dentro de uma sequência de esquetes que parecem puro Oscar bait, com o virtuosismo do ator ficando deslocado numa trama que não vai a lugar nenhum.

A sequência do suspense de tribunal rende algum momento de tensão por ser um ponto em que tudo poderia acontecer, nem que fosse uma cópia do que vimos anteriormente em “Coringa”, mas a recompensa nunca vem e o trecho final do filme é inexplicavelmente ofensivo.

Um pouco antes de acabar a sessão para a imprensa de “Coringa – Delirio a Dois”, algumas pessoas já se mexiam na cadeira com impaciência. O filme, definitivamente faz você sentir cada segundo, e não é como se fosse por causa de uma experiência visceral e emocionante.

Um segundo após apagarem as luzes da tela, todos na sala se olharam incrédulos. Uma garota do meu lado sussurrou “quero receber por insalubridade”. Na saída, alguns comentando que precisavam digerir, outros completamente indignados.

Um rapaz integrante do fã clube oficial da Lady Gaga no Brasil me contou que nunca viu a atriz tão apagada num papel e, de fato, Todd Phillips não só desperdiça o talento de atuação da artista como parece ter puxado o freio dela nos números musicais para não apagar Joaquin Phoenix.

“Coringa - Delírio a Dois” é uma piada de mau gosto, sem graça, e que parece querer punir o personagem e o espectador

Todd Phillips tinha uma ótima cantora e uma boa atriz em mãos. Junto a isso, uma personagem com um background muito rico construído pelos bons roteiristas da DC. No entanto, o diretor escolheu o caminho da apatia. Com exceção de um ou outro número musical, tudo trabalha para jogar Gaga no limbo da apatia.

O orçamento de U$200 milhões não foi usado para construir uma Gotham com o mínimo de assinatura, sendo a cidade parecida com qualquer metrópole norte-americana do mundo real. A cidade sempre foi um personagem à parte dentro da mitologia do Batman. Difícil entender para onde foi tanto dinheiro em uma trama contida em meia dúzia de figuras e sem grandes efeitos visuais. O som é ótimo, fotografia funciona, o design de produção é funcional, mas não justifica, ainda mais considerando o bom trabalho feito com menos da metade do valor no longa de 2019.

Philips prova que não é um diretor autoral de drama e que se não fosse a “inspiração” em Scorsese que aplicou no primeiro longa, não teríamos tido um filme tão marcante. “Coringa – Delírio a Dois” é uma piada de mau gosto, sem graça e que parece punir o personagem e o espectador.

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Última atualização em: 2 de outubro de 2024 às 21:23

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