David Leitch tem feito uma carreira consistente como diretor de filmes de ação. O cineasta trabalhou mais de 20 anos como dublê e coordenador de dublês e essa competência foi levada com maestria para as telas em sua primeira e ótima empreitada dirigindo um filme. Em John Wick, de 2014, onde trabalhou ao lado de Chad Stahelski, Leitch ajudou a refundar os parâmetros para filmes de ação feitos nos Estados Unidos. Mostrou que não era sorte de principiante ao engatar os sólidos e bem-sucedidos Atômica (2017), estrelado por Charlize Theron, e Deadpool 2 de 2018, o spin-off da franquia Velozes e Furiosos, Hobbs & Shaw e, mais recentemente, o divertido Trem Bala, com Brad Pitt.
Com esse recente e sólido currículo, foi questão de tempo para o diretor fazer uma homenagem aberta à classe na qual iniciou a carreira. Em “O Dublê”, David Leitch entrega entretenimento de primeira desde os primeiros minutos, colocando sua assinatura nas cenas de ação bem filmadas, sem cortes bruscos e extremamente inteligíveis.
Colt Seavers (Ryan Gosling) é um experiente dublê que trabalha há anos com o astro de Hollywood Tom Ryder (Aaron Taylor-Johnson), o substituindo em todas as cenas perigosas. Em um acidente grave durante uma das filmagens, Colt precisa se afastar das produções até que o sumiço misterioso de Ryder o obriga a voltar e investigar o que aconteceu a pedido da agente de Tom, Gail (Hannah Waddingham, da série “Ted Lasso”).
Sempre é prazeroso ver astros de Hollywood se despindo de vaidades e tirando sarro de si mesmos. Ryan Gosling e Taylor Johnson encarnam com desenvoltura os papéis de operário do audiovisual e de estrela arrogante e prepotente A sátira funciona desde o começo, sobretudo pela aparente diversão dos atores em seu papel.
Quando Colt volta aos sets, descobre que seu antigo caso amoroso está dirigindo o filme que Ryder estava fazendo. Jody (Emily Blunt), ainda magoada pelo dublê ter sumido sem dar notícias, protagoniza uma das sequências mais hilárias do filme, envolvendo repetição sem fim de uma determinada cena.
Emily Blunt e Ryan Gosling tem química e funcionam como um casal que possui suas diferenças, mas não escondem uma admiração mútua. O romance nunca se torna o plot principal do longa, mas um motivo de movimentar os personagens para frente dentro da trama, que é simples, até boba, mas que funciona dentro da proposta do diretor.
A vulnerabilidade do protagonista é muito bem-vinda. Seguindo a receita já vista em “John Wick”, “Anônimo” e “Resgate”, ainda que a resistência humana pareça além da normal, o herói se machuca e enfrenta dificuldade para lidar com os adversários. Sabemos que ele vai vencer no final, mas é satisfatório que suas habilidades não sejam de uma barreira heróica intransponível.
“O Dublê” é baseado na série de TV “Duro na Queda”, que estreou em 1981 e durou seis temporadas. Apesar disso, pouco da produção oitentista existe no filme, com exceção de algumas referências que só os aficionados vão lembrar, incluindo uma engraçada cena pós-crédito.
O filme se estica um pouco além do necessário e, apesar de leve e ser um baita filme pipoca, contém cenas descartáveis, como a passagem de cantoria no karaokê.
Vale menção à boa participação de Winston Duke (“Pantera Negra) como amigo de Colt Seavers. Embora o papel seja pequeno, o ator entrega bom timing cômico, como já tinha feito no enervante “Nós”, de Jordan Peele.
Sem dúvida, o ponto forte de “O Dublê” é o trio de protagonistas. Blunt, Gosling e Taylor-Johnson abraçam a farofa sem concessões, temperando com carisma uma trama que com o elenco errado poderia virar um velório, mas que no caso do longa da Leitch é um filme divertidíssimo com potencial para uma continuação.