Capitão América: Admirável Mundo Novo sofreu com notícias de refilmagens e orçamento além do que seria necessário para um filme com escopo menor do que os eventos que são os filme de equipe do Universo Cinematográfico Marvel (MCU). Algumas fontes apontam para um gasto estimado em quase US$ 300 milhões. Esses fatores nunca são animadores quando se fala em produção cinematográfica e com a estreia do filme, parte dos temores se confirmam.
Focado em Sam Wilson, interpretado por Anthony Mackie, que assume o manto do Capitão América após os eventos de Vingadores: Ultimato (2019). O filme tem o background da boa série Falcão e o Soldado Invernal como ponto de partida, onde foram apresentados bom timing de humor e comentários sociais relevantes sobre o simbolismo de um Capitão América Negro.No entanto, o filme apenas flerta com momentos de discurso relevante, mas se acovarda em todas as chances que tem de se tornar algo que fuja de apenas um filme de ação derivado.
Anthony Mackie é um ótimo Capitão. Seu Sam Wilson tem a dose certa de humanidade, com convicções e vulnerabilidades inerentes ao uniforme do herói símbolo dos Estados Unidos.O ator se sai bem no humor e no drama quando exigido, mas infelizmente foi colocado como protagonista num momento em que diversidade na cultura pop é questionada e seu filme peca por não fazer disso um tema importante a ser debatido.E não é como se não houvesse base para isso, já que como dito, a série pincelou essas questões com competência. Apesar das falhas de roteiro, é fácil torcer para que Mackie se consolide no personagem.
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A impressão que fica é que a produção do filme não quis comprar a briga contra a ascensão do discurso de supremacistas brancos dentro da comunidade nerd. A trama, focada no conflito entre o Capitão América e o presidente da República estadunidense (Harrison Ford) escapa para o mais modorrento thriller de espionagem, quando tinha nas mãos premissas bem mais interessantes. Ford parece sempre com preguiça, e é difícil acreditar que o ex-general Ross (interpretado nos filmes anteriores pelo falecido Willian Hurt) mudou tanto sua conduta em relação aos super-heróis absolutamente do nada. E quando finalmente se transforma no Hulk Vermelho, as cenas de ação não dizem a que veio, considerando o poder que um Hulk possui.
A luta de Sam para ser aceito como o novo Capitão América é pouco explorada. Nada sobre as reações do público é mostrado. A única comparação sofrida com Steve Rogers vem do Presidente Ross, mas parece ter sido uma cena inserida para impressionar nos trailers. Os reflexos de debates reais sobre identidade e representação são ignorados, retirando qualquer camada de complexidade que o filme poderia ter.
Ação Bem Coreografada
Mas o filme está longe de ser um desastre completo, apesar da torcida de muitos para que isso acontecesse. As cenas de ação envolvendo as habilidades do novo Capitão são bem coreografadas e críveis. Com a ausência do poder do soro, é interessante ver Sam Wilson utilizar a tecnologia a seu favor como amplificador de habilidades. As asas de vibranium que absorvem e reconduzem energia de impacto, o propulsor a jato e os óculos com diversas funcionalidades, justificam a imponência do herói. As habilidades marciais de Sam não ficam atrás do seu antecessor, embora, em alguns momentos, ele pareça ter a mesma resistência física, o que não faz sentido, visto que não possui capacidades sobre humanas. As habilidades de Sam com o escudo criam momentos visualmente bem bacanas.
O novo Falcão, Joaquin Torres, encarnado por Danny Ramirez tem uma boa introdução e mostra boa química com Mackie, estabelecendo uma parceria promissora para futuras produções do MCU.
Aparentemente, a Marvel ainda não aprendeu que colocar muitos vilões no mesmo filme não costuma dar certo. Enquanto mal desenvolve o Hulk Vermelho, resgata do primeiro filme do MCU, O Incrível Hulk, de 2008, o Líder (interpretado por Tim Blake Nelson), um vilão com potencial intelectual e científico, mas subaproveitado com uma motivação e desenvolvimento nulo. Não há tensão em sua aparição e pouco sentido em seus planos. Quem também é desperdiçado é Giancarlo Esposito. Seu terrorista Seth Voelker vira ameaça terciária, ainda que o ator se esforce com seu famoso olhar ameaçador.
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A fórmula Marvel precisa acabar
A famigerada ‘fórmula Marvel’ parece cada vez mais cansada. A obrigação de seguir uma estrutura narrativa pré-definida para se encaixar em outros 40 filmes prende a criatividade de roteiristas e diretores, impedindo que grandes histórias possam ser contadas. O roteiro propõe temas complexos, mas precisa abandoná-los para correr com apresentação de personagens genéricos e correria que nem sempre serve à trama. Os conflitos acabam perdendo peso e o ritmo prejudicado, como foi o caso Capitão América: Admirável Mundo Novo.
Talvez o maior exemplo da falta de norte deste filme seja o personagem de Carl Lumbly, Isaiah Bradley, o Capitão América negro que foi trancado por anos numa prisão. O filme traz o personagem de volta, mas pouco explora sua relação com Sam e suas desconfianças com o país que promoveu seu apagamento e tortura. Evitando mergulhar profundamente em suas próprias questões, o longa parece se arrepender até mesmo de colocar Sam Wilson como o novo Capitão América, o que é um tanto vergonhoso e conversa diretamente com as notícias de fim das políticas de diversidade das multi empresas do Vale do Silício.
Capitão América: Admirável Mundo Novo tenta propor um equilíbrio entre ação, drama e relevância social, mas peca por covardia nos últimos dois quesitos. Embora Anthony Mackie brilhe e seja promissor como Sam Wilson liderando a equipe, o filme é prejudicado por dois vilões que não justificam seu tempo em tela e um ritmo irregular
Para fãs do MCU, o filme não é uma tragédia e serve até como uma boa diversão ao público menos exigente, mas poderia bem mais impactante emocionalmente.
PS: Há uma cena pós crédito que não diz muito.