Às vezes, quando estou nostálgico, vou até perto da escola onde estudei o ensino médio, ando pelo bairro que a rodeia, observo os cantos, as árvores, as casas de antigos amigos que provavelmente já me esqueceram. Busco reviver, através dos lugares, fragmentos do passado. Afinal, casas, ruas, terrenos baldios, esquinas, também são personagens da nossa vida, contando histórias sob as mais variadas perspectivas. É como a música “Deixa Ser”, do grupo paulistano O Teatro Mágico, no verso “por todos os cantos há um canto escondido/ Querendo explodir/ Querendo gritar/ Coração querendo ser ouvido.
E é sobre a passagem do tempo contada através de uma única sala que a HQ Aqui (Companhia das Letras), escrita pelo artista norte-americano Richard McGuire, concentra sua narrativa. A sala de estar em estilo colonial, com sua lareira, janela que permite o vislumbre de um casarão histórico do lado de fora, é testemunha dos idos e vindos de dezenas de famílias através da história, e até mesmo antes, com os recortes do tempo remetendo até mesmo à era dos dinossauros.
O refino visual e a sofisticação intrincada narrativa conseguida por McGuire em sua história em quadrinho ganhou atenção do diretor Robert Zemeckis, conhecido pelas brincadeiras com passagens do tempo em sua clássica trilogia “De Volta para o Futuro” e no clássico “Forrest Gump”. E é com parte da trupe que o acompanhou neste último (Tom Hanks e Robin Wright) que ele compõe o elenco da versão cinematográfica de “Aqui”, mas sem nunca alcançar o carisma de seu filme de 1994 e ainda menos da obra-prima em quadrinhos.
O roteiro é assinado por Eric Roth e pelo próprio Zemeckis, focando quase todo o tempo da projeção nos personagens de Tom Hanks, Robin Wright, Paul Bettany e Kelly Reilly. Esse foco na família é fragmentado com pequenas passagens sobre outros personagens que viveram na casa, mas sem jamais promover verdadeiro engajamento com suas histórias, uma vez que o diretor escolheu fazer recortes que não demonstram qual a preocupação que deveríamos ter com a jornada daquelas pessoas.
Por exemplo, há uma família negra que se muda para a nova casa com sua empregada, depois há um recorte do pai explicando ao filho sobre como agir em caso de abordagem policial e depois mais nada. E isso se repete com outros arcos.
Já a família principal recebe tratamento diferenciado com um impressionante efeito de rejuvenescimento feito por IA apresentando Tom Hanks desde o início da vida adulta. O ator parece empenhado, assim como Robin Wright e Paul Bettany, com seus personagens sendo representações das interações de gênero durante as mudanças sociais ocorridas durante o século XX até a virada dos anos 2000.
Sonhos abandonados, casamentos caminhando para encruzilhadas incorrigíveis, frustrações e conflito entre gerações são abordados de forma errática, com o gosto de que falta alguma coisa sempre permeando as duas horas de duração do filme. O foco do diretor parece sempre estar nas experimentações estéticas que a proposta proporciona. Com uma câmera estática em um único ponto, as transições de tempo são feitos com recortes sobrepostos, com o cenário mudando de forma muito fluída, com méritos para o montador Jesse Goldsmith (Star Trek: Sem Fronteiras) e a diretora de artes Ashley Johnson (O Problema dos Três Corpos). Mas fora o apuro estético, tudo mais é bagunçado e sem foco, tornando a experiência de assistir aqui quase tediosa.
Para não ser cruel demais, “Aqui” aponta novos rumos para o rejuvenescimento digital dos atores, o que evitará passagens constrangedoras como vistas em “Tron – O Legado” e em “O Irlandês”. Fora isso, soa mais como um exercício de autocomplacência de Zemeckis e um encontro entre amigos que não se viam há muito tempo e não têm muito para falar.
Se puder, leia a graphic novel, definitivamente uma obra-prima que merecia uma adaptação mais inspirada.