Os detentores do poder, quais sejam a polícia, legislativo, judiciário e executivo, atuam na manutenção dos privilégios de quem os tem
A frase “Todas as vezes que temos a chance de avançar, eles mudam a linha de chegada”, dita por Mary Jackson, matemática, física e primeira mulher negra a trabalhar como engenheira na NASA, bem pode ser utilizada para resumir a evolução dos direitos das pessoas negras no Brasil.
A subalternização do povo negro e a inobservância de nossos direitos mais fundamentais estruturam e sustentam a sociedade do modo como a conhecemos.
Os detentores do poder, quais sejam a polícia, legislativo, judiciário e executivo, atuam na manutenção dos privilégios de quem os tem, pois, ao fazê-lo, agem para a conservação da hegemonia de seus próprios privilégios, pois a eles não interessa modificar a estrutura que lhes beneficia.
Não interessa a eles que tenhamos direitos e, se os tivermos, que os conheçamos e, se os conhecermos, que lutemos por eles.
É deste modo que muitos agentes de polícia enxergam a tentativa de registro de ocorrências de racismo ou injúria racial.
Até recentemente quando um negro buscava a delegacia para denunciar racismo sofrido, saía de lá, quando muito, com um boletim de ocorrência de injúria racial, crime que, diferente do racismo, era prescritível e afiançável, além de que, como bem sabemos, “nunca dava em nada”, pois fato é que dificilmente haveria punição.
Sabemos que há uma diferença legal entre o racismo – que pretende negar direitos e segregar toda a nossa raça – e a injúria racial – que ataca a honra e a dignidade de um indivíduo.
E se legalmente há uma diferenciação, moralmente não se percebe distinção no movimento que pretende segregar e impedir o alcance a direitos em decorrência única e simplesmente da cor da pele e seus desdobramentos, assim como não há diferença na dor sentida nestas situações.
Em 2021 o plenário do STF decidiu que o crime de injúria racial é uma forma de racismo e por isso merece o mesmo tratamento, qual seja a imprescritibilidade, que permite a punição a qualquer tempo de quem o cometer e a impossibilidade do pagamento de fiança.
Em 2023 o presidente Lula sancionou a Lei 14.532/2023 que, além de equiparar a injúria racial ao racismo, aumentou a punição para referido crime, tornando-o inafiançável e imprescritível.
É realmente um avanço notável, mas de efetivação problemática à medida em que depende do registro do fato por policiais que muitas vezes se negam a fazê-lo ou agora o registram como “injúria simples”, mudando a linha de chegada frente ao avanço de nossos direitos.
Mais ainda, há casos emblemáticos em que diante do pedido de registro do crime de racismo, o agente da lei negou-se a realizar qualquer boletim de ocorrência e até mesmo a buscar a qualificação de quem o cometeu, tudo para impedir qualquer desdobramento jurídico. É o pacto da branquitude.
“É preciso estar atento e forte”, alertas e conhecedores de nossos direitos para que sejam de fatos observados.
Não se nega a dor de ser revitimizado ao buscar amparo da polícia e do judiciário, mas tão forte quanto esta é a dor da impunidade e a certeza de outro irmão sofrerá o mesmo crime pelo mesmo criminoso.
É preciso não aceitar ser silenciado e lembrar que daqui a alguns anos seremos os mais velhos que com nossa luta construímos o caminho em que nossos mais novos percorrerão com um pouco mais de facilidade do que nós.