Carta aberta para a mulher que fui e tentaram matar

Carta aberta para a mulher que fui e tentaram matar

Pretinha, a gente sobreviveu. Temos cicatrizes, lembranças, algumas dores, mas estamos aqui. Quero te agradecer por de alguma forma não ter desistido de nós. Você foi incrível. E agora não precisa mais ser forte, eu me fortaleci pra te acolher.

Queria te dizer que aquele dia a culpa não foi nunca, e na verdade, nunca foi. Se você tinha dúvidas, sim, você foi violentada, violada, desrespeitada, abusada e estuprada. Queria te dizer também que nenhum banho tiraria a sensação de sujeira do seu corpo porque a sujeira não era você, era e continua sendo ele.

Aquele sangue na cama, a dor, o choro… Nada disso foi culpa sua. NADA. Sua dependência emocional e carência não justificam o crime que ele cometeu. Eu não sei como você conseguiu se manter de pé por todo esse tempo, mas admiro você ter conseguido fazer tudo que foi preciso.

Quero te pedir que mesmo com tudo, você não perca aquela doçura que poucas pessoas conhecem e o seu desejo pela vida. Peço também que toda vez, por alguma razão, você se lembrar de tudo, chora. Chora sim, eu estou aqui por você. Agora você está segura e no seu direito de desarmar. Pretinha, você não é vulgar por continuar tendo desejo. Todo mundo tem. Você ainda é uma mulher com desejos e por favor, não mate isso em você, mas gostaria de te pedir que nunca mais seja refém única e exclusivamente do desejo de NINGUÉM.

Carta aberta para a mulher que fui e tentaram matar
Vanessa Paz

Você não é propriedade de ninguém. Você ainda tem muita coisa pra viver, lugares pra ir e pessoas para conhecer. Inclusive, quando você tiver pensando em acabar com tudo, você irá renascer. Inconscientemente ajudar outras vítimas e cada vez mais acreditar no seu poder. Não se machuque mais, não se esconda, não se puna.

Você vai parar de ter pesadelos e de precisar ficar justificando o que aconteceu. Essa dor que você sente tem cura, e principalmente, mentalmente falando. Você não vai conviver com dor pra sempre. Não se acostume a sentir dor e sangrar sempre. Não é a sua sina. Você vai mudar o estilo, vai se tornar cada vez mais livre. Você não será apenas essa tragédia. Pretinha, seu corpo vai mudar e ficar lindo, e você vai gostar dele. Sua família vai te apoiar, mesmo sem entender completamente.

Você não é digna de pena. Você é gigante, menina. Você vai levantar e começar ser protagonista da sua vida. Também vai aprender dizer não e estipular limites. Algumas pessoas vão embora para que cada vez você seja sua e aprenda as coisas.

Sobre a sua fé, você vai viver coisas lindas e ter muita proteção. Eles vão te levar a lugares que nunca imaginou. Eu tenho orgulho de você e você terá orgulho de mim. Nós nunca mais iremos nos calar. Você vai falar em um podcast de um homem preto (Parentalidade Preta) muito importante e dali pra frente a cura começa, meu bem.

Eu ainda te contarei muitas coisas boas a seu respeito. Minha pequena borboleta, não tenha medo de voar. Escrevi essa carta pra você, e na esperança que outras pessoas leiam acreditando que há vida pós estupro. Denunciem, falem, procurem ajuda psicológica e não levem a culpa com vocês. Apoiem educação sexual e conscientização de possíveis vítimas. Um dia para de sangrar e fica a cicatriz. A gente não esquece, mas ressignifica, e segue lutando por uma vida de liberdade, respeito e dignidade. Não desistam de vocês, nunca.

E a você, borboleta, sigo fazendo tudo por nós duas. Eu te admiro imensamente. Obrigada por correr para que eu pudesse voar.

Com carinho, à mulher que você sonhou em se tornar.

Última atualização em: 1 de julho de 2024 às 14:59

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